Título: De investimento a bandidagem, e vice-versa
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 17/09/2009, O País, p. 3

Em mensagem ao Congresso em fevereiro de 2003, o presidente Lula elogiava os bingos ao defender o Estatuto do Desporto. Exatamente um ano depois, mudou a aposta: editou uma medida provisória voltando a proibir o jogo no país e garantiu a aprovação da medida na Câmara liberando R$500 milhões para emendas parlamentares. A virada foi para dar uma resposta ao escândalo provocado pela gravação em que o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz aparecia cobrando propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Waldomiro tinha sido subordinado ao então todo-poderoso ministro José Dirceu, que mais tarde perderia o cargo e teria o mandato cassado na Câmara no escândalo do mensalão.

Lula, que antes pretendia regulamentar os bingos, comparou então o jogo ao crime organizado e à prostituição infantil. Em Recife, diante de funcionários de bingos que protestavam contra a perda de mercado de trabalho, afirmou: "Não posso, em nome de alguns empregos, legalizar o crime organizado e a lavagem de dinheiro. Se fizer isso, amanhã vão pedir que eu legalize a prostituição infantil em nome da criação de empregos. Não me peçam para cometer uma ilegalidade. O que não posso é legalizar a bandidagem".

A MP acabou representando uma das maiores derrotas do governo Lula. Aprovada na Câmara, foi derrotada pela oposição no Senado. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que somente o governo federal poderia autorizar o funcionamento de bingos.

O escândalo Waldomiro motivou o pedido de criação da CPI dos Bingos, instalada em 2005 por determinação do STF. Acabou ganhando o apelido de "CPI do fim do mundo", porque abriu muito o foco das investigações. No fim, propôs o indiciamento de 79 pessoas e sugeriu projetos disciplinando o jogo no Brasil.

Em 2007, enquanto o Planalto dizia que não tentaria legalizar os bingos, Lula transferia ao Congresso a responsabilidade pela aprovação de legislação sobre a atividade, para evitar o que chamou de "indústria das liminares", com as quais grande parte dos bingos conseguia reabrir. Em março de 2008, pressionado por forte lobby, o governo voltou a discutir a ideia. O assunto foi conduzido pelo ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. Um dos principais defensores do jogo é o deputado Paulinho Pereira (PDT-SP), presidente da Força Sindical, que por várias vezes mobilizou ex-funcionários de bingos em passeatas pelo país.

O jogo, proibido pela primeira vez no país em 1946 por decreto-lei do presidente Eurico Gaspar Dutra, foi readmitido pela Lei Zico (Lei 8672/93).