Título: Para abrir cofre, superávit menor
Autor: Paul, Gustavo; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 19/09/2009, O País, p. 3

Projeto permite reduzir economia para pagar juros e bancar liberação de R$5,6 bi a ministérios

Apesar da queda continuada da arrecadação nos últimos meses e do aumento de gastos permanentes, o governo decidiu acelerar a abertura dos cofres e vai liberar R$5,630 bilhões para gastos pelos ministérios nas próximas semanas. Do total a ser liberado, cerca de R$1,2 bilhão deverá atender as emendas parlamentares. Para alcançar a folga nas contas, o governo aposta na aprovação de um projeto enviado ao Congresso, discretamente, na quinta-feira, que permite a redução do superávit primário (economia para pagar os juros) em R$12,948 bilhões.

Com isso, o superávit do governo central (excluindo estatais e estados), cairá, na prática, de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos no país) para 0,46% do PIB. Somando a economia feita pelas estatais e pelos estados, o superávit deve cair de 2,5% do PIB para 1,36%. Essas medidas constam do relatório de receitas e despesas orçamentárias do quarto bimestre de 2009, enviado ontem ao Congresso.

O relatório cita a queda de R$5,768 bilhões na previsão de receitas do governo no Orçamento deste ano. A previsão de receitas, no relatório do terceiro bimestre, era de R$561 bilhões e caiu, agora, para R$555,2 bilhões.

"Não há gastança ou desequilíbrio"

As medidas para aumentar gastos e reduzir o superávit dividem os políticos e motivaram nesta semana a aprovação, na Comissão de Orçamento, da convocação do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. A data da audiência não foi marcada. Diante do relatório do quarto bimestre, os governistas repetiram o discurso de que, apesar da queda na arrecadação, o contingenciamento feito no início ano foi muito grande e permite os ajustes.

- Fizemos um contingenciamento muito grande porque prevíamos essa queda na receita. Mas, agora que vemos que a situação vai melhorar, podemos liberar recursos. Não há descontrole - disse o vice-líder do governo no Congresso e representante do Planalto na Comissão de Orçamento, deputado Gilmar Machado (PT-MG).

- Não há gastança ou desequilíbrio - afirmou o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP).

- O contingenciamento foi muito amplo e esse descontingenciamento já deveria ter acontecido anteriormente - emendou outro vice-líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR).

Para a oposição, o governo arrisca ao elevar gastos, enquanto o investimento é muito baixo. - É contraditório com a queda na arrecadação - resumiu o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP).

Empenhado em monitorar a aprovação de projetos que levam ao aumento de gastos com pessoal, Arnaldo Madeira (PSDB-SP) criticou o aumento de gastos com custeio, reforçando que os investimentos em infraestrutura continuam muito baixos:

- O problema é que o gasto é no pessoal e também no custeio.

O quadro orçamentário ficou ainda pior no quarto bimestre, porque as despesas obrigatórias aumentaram R$3,1 bilhões, passando de R$40 bilhões para R$43,1 bilhões. Esse aumento será distribuído igualmente para o seguro-desemprego, créditos extraordinários e compensação aos municípios (R$1 bilhão cada), além de R$100 milhões com outras despesas.

As contas públicas têm um problema adicional. A estimativa do rombo da Previdência também aumentou, segundo o relatório, em R$702 milhões (redução da receita em R$500 milhões e aumento das despesas previdenciárias em R$202 milhões). E o governo manteve inalterados os parâmetros para o ano: prevê crescimento de 1% da economia e inflação estável.

Certo de que não fecharia as contas, o Planejamento optou por ampliar a engenharia financeira pensada no primeiro semestre para acomodar as contas à crise. Antes, estava em aberto a possibilidade de retirar R$15,6 bilhões do superávit primário para bancar as despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), incluídas no Programa Piloto de Investimentos (PPI).

A lei permite que, nessa operação, seja abatido do cálculo total do superávit 0,51% do PIB. O que o governo propõe, no projeto enviado anteontem, é elevar o percentual para 0,94% do PIB, o que representa abater até R$28,5 bilhões. Na prática, a possibilidade de gastos aumenta no equivalente aos R$12,9 bilhões que o governo deixará de economizar.

Desde que a crise se instalou, o ministro Paulo Bernardo advertia que, em caso de necessidade, o governo faria uso do PPI para abater o superávit primário. Essa possibilidade é prevista há anos, mas nunca foi usada.

O relatório apresentado ontem representa uma guinada em relação ao de julho. Na ocasião, o governo não fez novos cortes de gastos nem liberou recursos. Em maio, ampliara os gastos em R$9,1 bilhões, após um corte de R$21,6 bilhões em março.

O projeto de lei nº 15, que tramitava no Congresso, já mudava o cálculo do superávit para 2009, permitindo a redução, mas estava parado na Comissão de Orçamento. O governo pediu que não fosse votado porque seriam feitos ajustes, o que ocorreu com a mensagem enviada ontem. O relator da proposta na Comissão de Orçamento é o deputado Jilmar Tatto (PT-SP). O governo conta com o "esquecimento" da oposição sobre o fato de a mudança do cálculo não constar oficialmente da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2009.