Título: País não avança no combate ao analfabetismo
Autor: Ribeiro, Fabiana; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 19/09/2009, Economia, p. 30

Taxa passou de 10,1% para 10%, mas chega a 19,4% no Nordeste. Para ministro, foi "soluço indesejável"

CRISTIANO DOS SANTOS, de 14 anos, lê como uma criança recém-alfabetizada: "Bom em matemática"

RIO e BRASÍLIA. Apesar da universalização do ensino fundamental no país, o Brasil ainda apresenta um elevado índice de analfabetismo: são 14,2 milhões de brasileiros, de 15 anos ou mais, que não sabem ler ou escrever. No ano anterior, eram 14,1 milhões. De 2007 para 2008, essa taxa passou de 10,1% para 10,0%. No Nordeste, contudo, chega a 19,4%, informou a Pnad. O menor ritmo na redução do contingente dos iletrados do país mostra, segundo especialistas, que os programas voltados para a educação de jovens adultos têm sido pouco eficazes no combate ao analfabetismo.

O quadro fica mais preocupante quando considerada a taxa de analfabetismo funcional do país. Apesar de esse indicador ter apresentado um recuo mais expressivo, de 21,8% para 21,0%, o país conta com 30 milhões de analfabetos funcionais entre as pessoas de 15 anos ou mais de idade. De 2007 para 2008, todas as regiões apresentaram queda dessa taxa, com destaque para a Nordeste onde a retração atingiu 1,9 ponto percentual (de 33,5% em 2007 para 31,6% em 2008). A taxa de analfabetismo funcional masculina (21,6%) também era superior à feminina (20,5%).

- Com uma dívida tão grande, os números não mudam de um ano para o outro. Houve, inegavelmente, avanços em mais de 10 anos. Em 1992, a taxa de analfabetismo era de 17,2%. O Brasil está atrás de países como Venezuela e Chile - disse Vincent de Fourny, representante da Unesco no Brasil, frisando que os números da Pnad podem esconder taxas ainda mais elevadas. - A metodologia do IBGE é muito simples. Sabemos que há vários tipos de analfabetismo. Indicadores mais sofisticados poderiam criar políticas públicas mais adequadas.

Governo mantém meta de reduzir problema até 2015

O ministro da Educação, Fernando Haddad, considerou um "soluço indesejável" a queda de apenas 0,1 ponto percentual na taxa global de analfabetismo. Haddad admitiu que, somente levando em conta esse resultado, não seria possível alcançar a meta de reduzir, até 2015, a taxa de analfabetismo para 6,7%, mas garantiu que o Brasil alcançará a meta, devido à série histórica de redução da taxa.

O ministro contestou os dados que indicam aumento do número absoluto de analfabetos de 25 anos ou mais, ou seja, em 140 mil. Ele disse que está pedindo ao IBGE mais dados para "entender o resultado":

- É preciso considerar a série histórica da queda do analfabetismo no país. Teve ano que reduzimos 0,7 ponto percentual, 0,4 ponto percentual. Este ano foi 0,1 ponto percentual, um soluço indesejável. Mas, no ritmo da série histórica, cumpriremos a meta de reduzir, até 2015, em 50% a taxa de analfabetismo. Enquanto houver um único brasileiro sem alfabetização, o Estado tem que agir.

A Pnad mostrou ainda que a taxa de escolarização das crianças entre 6 e 14 anos de idade subiu de 97% para 97,5%. Contudo, mostrou que brasileiros maiores de 18 anos, em média, ainda não concluíram o ensino fundamental. Em vez de 11 anos de estudo, esse grupo tem, em média, 7,4 anos. Para os com 25 anos ou mais de idade, a média caía para 7 anos de estudo.

- Os avanços obtidos no ensino médio acabaram. E isso se deve, em parte, pela baixa qualidade das escolas. Com idade para entrar no mercado de trabalho, o jovem deixa a escola. Tanto que 50% de uma geração de até 22 anos não atingem o ensino médio - disse Naércio Menezes Filho, professor do Ibmec-SP e da USP, em referência à redução da taxa de escolarização dos jovens entre 18 a 24 anos, de 30,9% para 30,5%.

Cresce taxa de escolarização de crianças com 4 ou 5 anos

Segundo Vera Masagão Ribeiro, coordenadora da ONG Ação Educativa, há um desinteresse do jovem pela escola, o que o afasta do ensino médio. E, por isso, são necessárias novas políticas públicas e mais qualidade para reduzir a evasão escolar.

Os dados mostraram ainda que a taxa de escolarização de crianças com 4 ou 5 anos saiu de 70,1% para 72,8%. É a fase da pré-escola que já atrai mais crianças para a escola.

- A família moderna, mesmo em áreas rurais, estimula a entrada mais cedo na escola. Essa taxa praticamente dobrou nos últimos anos - disse Vera.

Cursando a sexta série, Cristiano dos Santos, de 14 anos, lê como uma criança recém-alfabetizada. Não pronuncia erres dos verbos, diz rosa em vez de roça e tem dificuldade de interpretar o que leu. Filho de pai analfabeto, faz parte de uma geração de adolescentes que passa de ano e conclui o ensino médio sem ler e escrever corretamente ou ter domínio das quatro operações matemáticas.

- Só em Matemática mesmo é que sou bom.

Para Flávio Comim, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o freio nas melhorias na educação brasileira mostram que os atuais modelos sociais chegaram ao limite. E diz que o grande desafio agora é trazer qualidade ao ensino e melhorar as condições do mundo das escolas, que apresentam desde problemas de violência a relacionamento entre professores e alunos.

- A estrutura econômica do país é bastante exclusiva. Para mudar isso, é preciso dar educação primária de qualidade. Educação é investimento de longo prazo. Não se forma profissionais da noite para o dia. E isso pode frear o potencial de crescimento do país.