Título: Sobrecarregado, Inca será obrigado a trocar 47% dos funcionários em 2010
Autor: Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 20/09/2009, O País, p. 4

Com 1.626 pacientes na fila, instituto terá que resolver crise administrativa

O Instituto Nacional do Câncer (Inca), referência brasileira de excelência no tratamento da doença, vive hoje os efeitos da sobrecarga de pacientes e de um nó administrativo. Enquanto a fila de espera tem 1.626 pessoas aguardando o início do tratamento, o Inca será obrigado, até 31 de dezembro do ano que vem, a substituir todos os funcionários terceirizados, que representam 47% da força de trabalho do hospital. A decisão é do Tribunal de Contas da União (TCU).

O hospital recebe mão-de-obra para pesquisa e tratamento, desde 1991, da Fundação do Câncer - entidade privada sem fins lucrativos, antiga Ary Frauzino -, que recebe recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e contrata profissionais. O contrato foi considerado ilegal, em 2006, por um acórdão do TCU. Instituições federais não podem ter funcionários terceirizados de vários setores, entre eles o médico.

Servidores, gestores e os próprios pacientes não sabem, ao certo, como o Inca vai sobreviver sem quase a metade de seus profissionais, que já trabalham com sobrecarga. O hospital tem 1.883 funcionários concursados, 478 temporários do Ministério da Saúde - 223 deles com contratos até março de 2010 - e 1.213 da Fundação do Câncer.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse na última quinta-feira, no Rio, que o Inca corre o risco de ser fechado, caso não se encontre outro modelo de gestão:

- Metade dos funcionários é contratada por uma fundação de apoio, são celetistas. E os estatutários, que são a outra metade, recebem uma complementação salarial da fundação, porque eu não posso pagar R$2 mil para um neurocirurgião especializado em câncer trabalhar. Então, o Inca vai fechar porque a fundação estatal de direito privado, que é o modelo alternativo, não é votada no Congresso. Nós vamos ter de inventar um outro modelo.

Retardo no tratamento

Os problemas de atendimento do Inca, no entanto, já ocorrem no sistema atual por causa da ausência de uma central que regule a internação de pacientes em hospitais da rede pública. Funcionários do Inca fazem, diariamente, uma triagem numa unidade próxima à Praça da Cruz Vermelha, no Centro do Rio, para decidir quais pacientes devem ou não iniciar o tratamento no instituto, que tem 440 leitos.

Somente 36,9% dos pacientes que procuram o setor de urologia do instituto conseguem a matrícula para entrar no Inca. O setor tem apenas seis leitos. Dos que recorrem a tratamentos para tumores no abdômen, 43,2% são autorizados a usar os serviços do hospital. Já na área pediátrica, 100% têm êxito. O bom resultado, nesse setor, é fruto de parceria com um instituto de apoio à criança.

Entre obter a matrícula e iniciar o tratamento, ainda há um tempo de espera que dura, em média, um mês e meio nas quatro unidades do hospital. São 513 pacientes na fila para procedimentos na cabeça e pescoço. Outros 316 com câncer no abdômen esperam pelo início da recuperação. Para consultas no setor de plástica, são 130 cadastrados no banco de espera. O instituto oferece serviços de assistência aos que aguardam.

- A sobrecarga significa retardo no tratamento. Isso acaba sendo terrível para o paciente, que pode perder uma oportunidade para se tratar. Nossa missão é produzir conhecimento e atendimento complexo. Hoje, por falta de oferta mais organizada na rede, o Inca é sobrecarregado com atendimentos que poderiam ser feitos em outras unidades. Esse é o gargalo principal - alerta o diretor-geral do Inca, Luiz Antonio Santini.

Para driblar, por vias legais, o acórdão do TCU, o Inca estuda modificar seu modelo jurídico para incorporar ao quadro oficial do instituto os funcionários terceirizados. Segundo Santini, os médicos e enfermeiros da fundação recebem salários equivalentes aos dos concursados. O sistema que estabeleceria regras para a seleção dos médicos, técnicos e enfermeiros que seriam incorporados, porém, ainda não foi criado.

A presidente da Associação dos Funcionários do Inca (Afinca), Haydee Barreto, reclama da falta de transparência na discussão do novo modelo jurídicos que poderá regulamentar o funcionamento das unidades do hospital. Segundo ela, a carreira Ciência e Tecnologia (CT) deve ser mantida para trabalhadores do Inca, de preferência, por concurso público. A presidente diz ainda que os salários dos terceirizados da fundação não são equivalentes.

- Precisamos de mais transparência nessa discussão. Há um concurso público em tramitação para vagas no Inca, mas não temos garantias de que ele sairá do papel. Hoje, um funcionário da enfermaria ganha, pela fundação, cerca de R$2 mil. Os servidores concursados com o mesmo cargo chegam a salários de aproximadamente R$3.500 - diz ela.