Título: Em Tocantins, práticas e vícios da velha política
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 20/09/2009, O País, p. 10

Governador interino tenta desfazer o que ele próprio, como deputado, ajudou a construir: o inchaço da máquina

PALMAS. Há sete dias como governador interino de Tocantins, o deputado estadual Carlos Henrique Amorim (PMDB), conhecido como Gaguim, ainda nem foi efetivado no cargo, mas passou a semana tentando desfazer o que ajudou a construir nos últimos anos: o inchaço da máquina pública do estado, com 35 mil cargos de confiança. Parte desses servidores foi nomeada no último ano pelo governador cassado Marcelo Miranda (PMDB), de quem Gaguim é aliado político.

No mais novo estado brasileiro - Tocantins foi desmembrado do estado de Goiás na Constituição de 1988, e o primeiro governo se instalou em janeiro de 1989 - as práticas políticas não diferem do que ocorre na maioria dos estados brasileiros. Os vícios são os mesmos, e as consequências são sentidas pela população.

O deputado que ainda nem foi efetivado como governador já tem um objetivo político: ser ministro de Dilma Rousseff, a pré-candidata do PT à Presidência, caso ela vença as eleições no ano que vem. Gaguim assumiu interinamente o Palácio Araguaia, dia 9, em substituição a Miranda, cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder econômico e compra de votos nas eleições de 2006, e ainda precisa ser eleito pelos 24 deputados estaduais. Para isso tem se dedicado diuturnamente à tarefa de convencê-los, com a distribuição de cargos e benesses. Em menos de dez dias como governador interino conseguiu eliminar a oposição na Assembleia. Hoje, todos são seus aliados.

Investidores deixam estado

Enquanto Gaguim joga para a plateia, com a demissão de 92 funcionários fantasmas e a extinção de 7,4 mil cargos em comissão - que ele, como aliado de Miranda, ajudou a aprovar - Tocantins vive uma agonia. Desde o ano passado, quando a possibilidade de afastamento de Miranda se tornou real, os investidores abandonaram o estado. Fornecedores pararam de receber, e as dívidas só aumentaram.

O novo secretário de planejamento, David Siffert Torres, fez um levantamento e demonstrou nesta semana que a situação não está fácil: as despesas ultrapassam R$488 milhões, e a despesa com pessoal subiu R$270 milhões em um ano: passou de R$1,2 bilhão para R$1,5 bilhão, aumento de 21,7%, atingindo 44,55% da receita líquida, bem próximo ao limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (46,55%).

Como ex-presidente da Assembleia, Gaguim conhece bem seus eleitores e não tem poupado cargos nem agrados: em quatro dias, distribuiu as 17 secretarias, 15 diretorias e mais um tanto de autarquias, num total de cerca de 50 cargos, aos aliados. Não se esquecendo de contentar até mesmo o governador que deixou o cargo, seu amigo e correligionário, a quem em público acusa agora de gasto excessivo e de deixar o Estado quebrado financeiramente.

O resultado da partilha do poder, com a nomeação de parentes de deputados, é de causar inveja aos adversários: o governador interino não tem oposição no Legislativo. O próprio Gaguim confirma o fato inusitado e explica que todos os partidos indicaram nomes para atuar no governo:

- Fui justo com todo mundo - disse sexta-feira ao GLOBO.

O governador interino, que já foi vereador por três mandatos, além de outros três como deputado estadual, costuma ter "ideias originais". Como quando, no início de carreira, depois de visitar a França, voltou com a proposta de construir em Palmas uma réplica da Torre Eiffel, financiada pelos franceses, que não aderiram à sugestão.

A ação abrangente de Gaguim já causou racha no que antes era oposição: parlamentares do PV, PSDB, PR, PP e PSC, que se opunham a Marcelo Miranda e faziam discurso em pró do ex-governador José Wilson Siqueira Campos (PSDB), bandearam-se para o governo-tampão. Siqueira Campos não gostou nada da adesão de seus correligionários e, em carta publicada em jornal local, destratou seus antigos aliados, chamando-os de adesistas, entre outras coisas.

- O Gaguim está dividindo responsabilidades com seus eleitores, que somos nós deputados - justificou Marcelo Lelis (PV), cujo irmão, Fábio Lelis, foi nomeado secretário de Recursos Hídricos.

- O governador quer valorizar o trabalho dos parlamentares - diz a deputada Lana Ribeiro (PR), filha do senador João Ribeiro (PR), pré-candidato ao governo.

O governador interino não vê na partilha de cargos moeda em troca de votos, numa repetição de seu antecessor, cassado por compra de votos:

- Isso não influencia em nada na votação. Foram os partidos que indicaram os nomes. Os deputados podem colocar secretários. Não é nepotismo, porque não é na Assembleia.

Mas o resultado dos números negativos do governo é sentido pela população, sobretudo na saúde, onde, segundo vários depoimentos, falta de luva cirúrgica a esparadrapo. As refeições de funcionários e pacientes de hospitais, por exemplo, foram restritas a arroz, feijão e abóbora durante um bom tempo .

Em 2007, a Assembleia instaurou uma CPI para investigar várias denúncias de irregularidades na saúde baseadas em auditorias do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Tribunal de Contas da União (TCU). Entre as suspeitas, várias chamavam a atenção: contratação, sem licitação, de várias empresas, como uma para fornecimento de três mil óculos sem caracterização de emergência. Além disso, uma empresa de R$30 mil de capital social recebeu R$23 milhões para fazer exames oftalmológicos.

No governo passado, uma briga entre o ex-governador e o TCE levou os deputados a aprovar alteração na Constituição estadual proibindo o tribunal de examinar as contas do estado. A iniciativa caiu por terra após decisão contrária do Supremo Tribunal Federal. Gaguim já se antecipou e, sexta-feira, chamou o presidente do TCE, Severiano Costandrade, para conversar.

- O governador tinha maioria e aprovava o que queria - disse, esquecendo que era da base de apoio de Miranda.

Colaborou Graziela Guardiola, especial para O GLOBO