Título: Geopolítica do G-20
Autor: Machado, Antônio
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2009, Economia, p. 22

Cúpula foi para ganhar tempo. Saída da crise depende de ações de Obama na Europa, China e Rússia

A cúpula dos chefes de governo dos países que representam 85% da economia global agrupados no novo diretório do mundo, o Grupo dos 20, G-20, avançou mais do que até os analistas otimistas esperavam e foi menos do que se ufanou o anfitrião do encontro, em Londres, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown: o nascimento de uma ¿nova ordem econômica mundial¿. O presidente Lula também se impressionou com os resultados, assim como Barack Obama, estreante no fórum.

Um mergulho nas decisões do G-20, porém, tanto avaliza o otimismo como a desconfiança. A geopolítica do mundo pode mudar depois da cúpula, mas não por causa dela. Ela já vinha mudando no vácuo da perda de prestígio dos EUA devido à desastrosa política externa do governo Bush. A débâcle econômica só fez acentuar o isolamento.

Quanto disso é definitivo não se sabe. Os ressentimentos entre os antigos aliados dos EUA na Europa são enormes, sequelas da decisão unilateral de Bush de invadir o Iraque e arrastar os europeus, sob a capa das Nações Unidas (ONU), ao Afeganistão. Com a China, maior financiador dos déficits dos EUA, juntamente com Japão e Alemanha, a relação é de suspeição permanente. A contraface da crise está aí ¿ nas relações políticas desdenhadas pelos EUA da era Bush.

Obama veio a Londres como escala de um circuito pela Europa mais amplo que a pauta do G-20, tratando o momento como crítico para as questões não só econômicas, mas políticas e militares. Sua missão é avaliar o estrago e reconstruir alianças. Tão importantes quanto as decisões do G-20 foram seus encontros à margem da cúpula com os presidentes da China, Hu Jintao, e da Rússia, Dmitri Medvedev.

A análise desses minuetos de Obama sugere que é com eles que se orquestra a solução de fundo contra a recessão global, e cada vez mais com pinta de depressão. A cúpula do G-20, nesta perspectiva, foi o meio-caminho para ganhar tempo, aliviar as consequências da crise para as economias mais fracas e dar uma satisfação ao mundo.

Com a China, estabeleceu o que é chamado de G-2, o grupo bilateral efetivamente capaz de ordenar os desbalanceamentos econômicos no mundo e organizar a saída da crise. Ele aceitou convite para ir a Pequim no segundo semestre e combinou um encontro técnico antes do fim do ano para evoluir a relação econômica. Também concordou em ir a Moscou. A expectativa é que desanuviem as suspeitas russas e se avance um acordo de redução do arsenal nuclear até dezembro.

As razões de Obama Na raiz desses encontros as razões políticas vêm à frente. Obama espera colaboração da diplomacia chinesa e russa para encaminhar conflitos espinhosos aos EUA: Irã, Coréia do Norte, Oriente Médio. Mas o pano de fundo é econômico. O orçamento militar é, isolado, o maior item de gastos fiscais dos EUA. Se não for reduzido, diante do que foi gasto e ainda se gastará para sanear a banca e retomar as engrenagens da economia, o Tesouro dos EUA dependerá cada vez mais da China e outros países superavitários, alguns hostis, como os produtores de petróleo, para fechar a conta.

Na linha do tiro Nenhum deles está satisfeito com isso e temem o colapso do dólar. Vem daí as demandas da China e Rússia por uma moeda alternativa ao dólar. Por ora são só ideias. Ninguém batalhou por elas na reunião do G-20. Mas o aviso está dado. A resposta de Obama passa por algo complicado: enfrentar o lobby militar e buscar apoio no Congresso para rever o orçamento do setor para 2010. Uma distensão nas zonas de conflito facilita a tarefa. E também o expõe à linha de tiro...

Missão é solitária O que se cobra dos EUA é um plano crível sobre o que farão com as suas finanças. Devido ao que o país já sacou contra a crise e mais vai sacar, excluindo as injeções de liquidez do Federal Reserve, o déficit fiscal saltou de 2,9% do PIB em 2007 para 6,4% em 2008. E este ano está estimado em 12% ¿ o buraco que os chineses sinalizam não querer mais financiar. Suas reservas passam de US$ 2 trilhões, dos quais, segundo o economista Brad Setzer, do Council on Foreign Relations, dois terços estão aplicados nos EUA.

O tempo para Obama é curto. De Londres foi a Estrasburgo, França, para a cúpula de 28 membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte ¿ a oportunidade para se aproximar da Europa, em especial da Alemanha, motor da União Européia e relutante em compartilhar com os EUA os ônus da política externa e da retomada global. Obama vai ter de suar a camisa. Pior é que não há outro nessa missão.

Caminhos da Europa Se Obama fracassar nas investidas externas, terá de contar só com a força abalada da economia americana para tirá-la da crise, o que envolve um risco enorme, pois implica inflação e o dólar afundar.

EUA e União Europeia, além de velhos aliados, totalizam metade da economia global. Como eles podem interagir e cooperar, portanto, é matéria de ¿significância global¿, diz George Friedman, analista de geoestratégia da Stratfor. Bush, diz Friedman, demandava muito da Europa e a ouvia pouco, o que a afastou dos EUA. Obama ouvirá muito, mas quer, segundo ele, ¿mais assistência¿ aos EUA. Ou isso ou o ajuste selvagem. O G-20 por si só não dá conta do enrosco.