Título: Com IR da poupança, sofisticação será a saída
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 21/09/2009, Economia, p. 18

Quanto mais dinheiro investidor tiver na caderneta, menor será a rentabilidade, na contramão do que acontece nos fundos

Com o projeto do governo de tributar a caderneta de poupança, o investidor que quiser ganhar mais do que o 0,5% ao mês da tradicional aplicação e dos fundos DI e de renda fixa terá que aceitar mais riscos, em investimentos como fundos multimercados e até ações. Pela proposta, os depósitos na poupança que excederem R$50 mil pagarão Imposto de Renda (IR) de 22,5% sobre o ganho. Se o texto for aprovado no Congresso, quanto mais dinheiro o investidor aplicar, menor será a rentabilidade ao mês. É exatamente o inverso do que ocorre nos fundos, em que, quanto mais dinheiro é aplicado, menores são as taxas cobradas e, em consequência, maiores são os rendimentos.

A taxa básica de juros, a Selic ¿ que remunera os títulos públicos que recheiam as carteiras dos fundos DI e de renda fixa ¿, está em 8,75% ao ano, o que representaria 0,70% ao mês se a variação fosse inteiramente repassada aos investidores. Mas as taxas de administração cobradas pelos fundos ¿ sobretudo os de varejo, com aplicações mínimas mais baixas ¿ chegam a 4% ao ano e comem boa parte da rentabilidade. As aplicações que cobram taxas de 1% ou menos ao ano só estão acessíveis em boa parte dos bancos de varejo a quem tem mais de R$50 mil. Nos fundos, o IR varia de 22,5%, para aplicações de menos de seis meses, a 15%, para investimentos de mais de dois anos.

Simulação feita pelo matemático José Dutra Sobrinho mostra que, com a cobrança do IR, quem aplicar R$55 mil na poupança terá um rendimento líquido de 0,50%, enquanto quem investir R$90 mil ganhará 0,46% ao mês. O investidor que colocar R$150 mil na caderneta terá uma rentabilidade de 0,44% e assim por diante. E os ultraconservadores que possuem R$1 milhão, mas preferem mantê-los na caderneta, ganharão só 0,40% ao mês.

HSBC retoma redução de taxa de juros em fundos

Isso acontece porque, como uma parte da aplicação, a dos R$50 mil, permanecerá intocada pelo Leão, quanto maior for o investimento, menor fica a relevância dessa fatia no total. E o IR passa a incidir sobre uma parte maior do valor investido. Para ter a rentabilidade líquida percentual mais alta, só aplicando até R$50 mil, e ficando livre da tributação e com um rendimento de cerca de 0,51% ao mês.

Desde a metade do ano, com a queda da Selic ¿ que esteve em 13,75% anuais até janeiro ¿ e o aumento da concorrência da poupança, os bancos começaram a reduzir taxas de administração e aplicações mínimas em fundos com custos mais baixos, para evitar a fuga de dinheiro para a caderneta e a perda da receita gerada pelos fundos.

Nas próximas semanas, o HSBC reduzirá as taxas de outros dois fundos. Um de curto prazo (de renda fixa com títulos que vencem em menos de um ano), o Over II, de aplicação automática do dinheiro parado em conta, vai ter a taxa reduzida de 5% para 3% ao ano. Outro fundo, fechado, reduzirá a taxa de 5% para 4,5% anuais.

¿ É uma iniciativa importante da indústria. Mas o grande custo desses produtos não é a gestão, é o processo de distribuição, de imprimir papéis e até levar o contrato para o cliente. O custo de um fundo com investimento médio de R$100 é muito maior do que o de um com aplicações médias de R$100 mil ¿ diz Pedro Bastos, presidente da HSBC Global Asset Management.

E, mesmo com a tentativa do governo de reduzir a atratividade da poupança (para garantir a sobrevida dos fundos que financiam a dívida pública), as taxas de administração continuarão a ser muito importantes na decisão de investimento. Para quem aplicar R$55 mil, por exemplo, os fundos só serão vantajosos para aplicações a partir de dois anos, quando o IR deles passa a ser de 15%. Para valores maiores, como R$90 mil, R$150 mil ou R$200 mil, os fundos voltarão a oferecer vantagem. Mas terão de cobrar taxas de 1% ou menos.

Para até R$50 mil, poupança ainda oferecerá vantagem

Para quem tem menos de R$50 mil aplicados, caso de 99% dos investidores da poupança e que, portanto, permanecerão sem pagar IR na caderneta, ela continuará vantajosa. De acordo com Dutra, para estes valores, a caderneta renderá mais do que os fundos quando a aplicação for por menos de dois anos. Só após esse prazo, eles ganharão, mas se cobrarem taxas de até 1%.

Vale lembrar que a proposta de tributação da poupança ainda tem um longo caminho a percorrer, que passa pelas negociações no Congresso Nacional, até começar a valer em 2010.

Para o diretor de Produtos de Investimento e Previdência do Itaú Unibanco, Osvaldo do Nascimento, um dos benefícios da queda dos juros é o incentivo à educação financeira.

¿ Antes, não havia motivo para correr riscos, com juros altos. Agora, as pessoas vão ter que olhar prazos mais longos. É um cenário de mudanças ¿ diz Nascimento.

O diretor de Varejo do BB, Jânio Carlos Endo Macedo, é mais cético quanto à mudança de perfil do investidor brasileiro:

¿ Apesar de os fundos, em alguns casos, já renderem menos do que a poupança, continuam recebendo mais depósitos. Lá atrás, quando os fundos pagavam mais, a poupança continuava captando. Há investidores fiéis a determinadas aplicações.

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