Título: Disputa por comando paralisa a Hemobrás
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 22/09/2009, O País, p. 10

Temporão tenta nomear ex-assessor na estatal criada para produzir remédios usados no tratamento de hemofílicos

BRASÍLIA. Uma guerra silenciosa que opõe uma tropa de 60 parlamentares ao ministro da Saúde, José Temporão, paralisa há duas semanas a Hemobrás, primeira estatal criada no governo Lula. Fundada para produzir remédios usados no tratamento de hemofílicos, a empresa está sem comando desde o dia 5, quando terminou o mandato do ex-presidente João Paulo Baccara.

Temporão tenta emplacar no cargo seu ex-assessor Romulo Maciel, mas uma frente liderada por PT e PMDB pressiona pela recondução de Baccara.

A briga envolve um orçamento de R$ 150 milhões para 2010 e arrisca atrasar a fabricação de hemoderivados no país. O impasse na estatal do sangue se agravou na semana passada, quando também terminou o mandato do diretor-técnico Luiz de Melo Amorim Filho. O único remanescente na cúpula da empresa, Augusto César de Carvalho, acumula interinamente as duas diretorias e a presidência.

Sexta-feira, ele convocou os 78 servidores para uma reunião e fez um apelo para que todos continuem trabalhando.

¿ Todo mundo está preocupado em saber quem sai e quem fica. Reuni funcionários para tentar tranquilizá-los, a empresa não pode parar ¿ contou.

A disputa nos bastidores começou em março, quando Baccara, um médico especializado em hematologia e ligado ao PMDB mineiro, lembrou a Temporão que seu mandato terminaria em seis meses. Pouco depois, começaram a circular rumores de que o ministro entregaria o cargo ao economista Romulo Maciel, que é seu colega na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e atuou como assessor do ministério até o início do ano.

Em julho, Temporão comunicou a Baccara que seu mandato não seria renovado. Para tentar se manter no cargo, ele foi à caça de apoio político. Assessores organizaram manifesto por sua permanência e começaram a visitar gabinetes do Congresso. O documento foi entregue a Temporão com as assinaturas de 60 parlamentares, entre eles o deputado Eduardo Cunha (PMDBRJ), apontado como rival do ministro numa agressiva disputa pelo comando da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Ministério confirma indicação de Maciel Outro cabo eleitoral de Baccara é o ex-prefeito do Recife João Paulo (PT). Ele é considerado um aliado de peso porque a Hemobrás construirá sua fábrica em Pernambuco, para onde a sede da empresa deve ser transferida quando a produção de remédios começar.

Temporão não quis falar sobre o assunto, e a assessoria do Ministério da Saúde informou que o ofício com a indicação de Maciel foi enviado à Casa Civil em 30 de agosto. Esta semana, o economista foi exonerado às pressas da vice-presidência da Fiocruz, numa portaria publicada pela fundação no Diário Oficial da União. Mas o ato teve que ser cancelado, porque Maciel ocupava um cargo comissionado alto e só poderia ser afastado com a assinatura da ministra Dilma Rousseff.

Defensores de Baccara dizem que Maciel teria pedido o cargo a Temporão por motivos familiares, já que ele é pernambucano e sua mulher desejaria voltar a Recife.

Procurado, Maciel informou que só daria entrevista depois que sua nomeação for confirmada pelo presidente Lula. Baccara disse que o lobby por sua recondução reuniria políticos de todos os partidos, inclusive da oposição. Mas se recusou a revelar a lista de assinaturas: ¿ Fui nomeado para uma missão que só termina quando a fábrica estiver funcionando, em 2012. Muitas pessoas entendem que uma mudança agora pode atrapalhar a estatal.

Eduardo Cunha confirmou o apoio a Baccara, mas negou que a bancada do PMDB queira comandar a estatal do sangue: ¿ O PMDB não quer a Hemobrás.

A Funasa é outra história.

Lá continuamos na briga.

O orçamento da Hemobrás foi quadruplicado em apenas dois anos. O bolo cresceu de R$ 37,7 milhões em 2008 para R$ 150 milhões previstos no Projeto de Lei Orçamentária de 2010.