Título: A dívida do G-20
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Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2009, Opinião, p. 24

Os mercados que provocaram a pior crise financeira internacional dos últimos 70 anos passaram praticamente ilesos pelo encontro dos líderes das 24 maiores economias do planeta, reunidos em Londres sob o teto do G-20. Em vez de uma governança supranacional, cada país continuará cuidando do próprio quintal, apenas se comprometendo a exercer controles mais rígidos. Até os paraísos fiscais escaparam. Terão que informar movimentações financeiras, mas isso não significa o fim da lavagem de dinheiro procedente de fontes ilícitas.

A histórica reunião do G-20 ficou longe de estabelecer nova ordem financeira global. Muito embora as profundas mudanças ocorridas desde então, sobretudo com o fim da Guerra Fria e a globalização, prevalecem, na essência, os conceitos estabelecidos 65 anos atrás em Bretton Woods, New Hampshire (EUA). Em 1944, as nações vitoriosas na II Guerra Mundial estabeleceram as diretrizes que ainda norteiam a economia mundial, com a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird), instituições agora reforçadas com aporte de recursos da ordem de US$ 1,1 trilhão.

Nem do protecionismo o G-20 livrou o mundo. Os países se comprometeram a não se fecharem uns aos outros, não a desfazer normas e leis adotadas em defesa da própria indústria e do comércio, em detrimento de concorrentes. Também uma vez mais manifestaram a intenção de reabrir a Rodada de Doha de livre comércio. Contudo, o mundo exige bem mais que cartas de intenções. Sem mudanças efetivas e profundas, o combate à crise se dará em ambiente de insegurança. Ou seja, os US$ 6,1 trilhões anunciados como salvação, de fato, podem livrar o planeta de uma depressão ¿ a questão é até quando.

Falta solidez à própria resposta mais concreta do G-20 à crise. De onde e em que medida virão os US$ 750 bilhões para o FMI e os US$ 350 bilhões para o Bird são uma incógnita. Da mesma forma, os US$ 5 trilhões em incentivos fiscais, destinados a fomentar a realização de obras públicas para estimular o crescimento. A urgência exigia mais. Enquanto os líderes se reuniam no Reino Unido, os Estados Unidos fechavam as contas do desemprego em fevereiro e contabilizavam a extinção de 633 mil vagas no mês. Só naquele país, 5,1 milhões de pessoas perderam o emprego desde dezembro de 2007, 3,3 milhões apenas nos últimos cinco meses.

Dada a reação positiva, os mercados aprovaram as decisões. É certo acreditar na capacidade das nações ricas e emergentes de liderar a saída do atoleiro, ainda que seus líderes continuem devendo a faxina que limpará a lambança produzida pela multiplicação de títulos podres planeta afora, a partir de negócios imobiliários escusos nos Estados Unidos. De modo algum se pode deixar cair no esquecimento a imperiosa necessidade de se pôr em operação mecanismos efetivos contra os riscos sistêmicos. Mais do que tirar do buraco as economias nacionais, urge entregar a elas o controle do sistema, livrando-as de se tornarem reféns dele. A promessa é de que se chegará lá, de forma inclusiva e ecologicamente correta. Está nas mãos dos chefes de Estado e de governo levar avante a imensa responsabilidade que lhes é posta, quitando a dívida do G-20 com o planeta.