Título: O sorriso de Lula ao lado da rainha
Autor: Braga, Ugo
Fonte: Correio Braziliense, 05/04/2009, Política, p. 6

Agora, além de sofrer todos os efeitos da crise, como na época do general Figueiredo, teremos que botar a mão no bolso para ajudar a pagar a conta. Chique demais

Eu não me canso de ver aquela foto. Sim, aquela! Em que Lula aparece ombro a ombro com a rainha Elizabeth II, da Inglaterra. Como sorri, o nosso presidente. Como sorriram e ainda sorriem os petistas, seus amigos. Pela primeira vez um presidente brasileiro foi tratado e recebido como um igual pela cúpula da comunidade internacional, escreveu um ex-assessor do homem. Foi daí ao infinito.

Lula é o cara, disse Barack Obama. O líder mais popular do planeta, continuou. O secular cerimonial do Palácio de Buckingham, que de trouxa não tem nada, catou o nosso representante e arrumou para ele o melhor lugar da foto. Quer dizer, estava longe da Cristina Kirchner, é bem verdade. Mas perto da rainha, como a escoltá-la em ajuda ao primeiro-ministro britânico, Gordon Brown ¿ a soberana no meio dos dois.

Há ali um símbolo, um sinal. Eles estão nos dizendo alguma coisa. O que será?

Bom, seja lá o que for, está de certo relacionado à crise financeira internacional. Afinal, era disso que tratavam. E daqui já parto a uma ligeira análise comparada.

Os EUA já quebraram duas vezes ¿ os marxistas hão de lamber os beiços, em deleite comprovado das crises cíclicas do capitalismo. Mas deixe voltar ao assunto. Em 1929 e em 1979. Na primeira, eles resolveram com gastos públicos e mais uma guerra mundial. Na segunda, com um choque de juros que faliu a América Latina inteira.

Permito-me, diante disso posto, concluir que essa gente de pele branca e olhos azuis não é nem nunca foi, digamos, dada ao altruísmo e à cooperação com o resto do mundo para debelar seus incêndios econômicos.

Como o crash de 29 deu-se em meio a um cenário institucional totalmente diferente do atual, pinçarei a segunda crise para tentar entender aquela foto, bela, belíssima foto.

Bom, eletrizados pela revolução iraniana e pela retórica poderosa do aiatolá Khomeini, os árabes ligaram a tomada do cartel e patrocinaram o segundo choque do petróleo. Importadores gigantescos de óleo, os Estados Unidos sentiram o baque. A inflação disparou. Bateu nos 15% naquele ano, um assombro.

O padrão-ouro, lastro das economias mundiais todas, ruíra desde o primeiro choque do petróleo, no início da década de 70. Naquele tempo, o sistema monetário internacional já se referenciava no dólar, como faz hoje. Com os EUA em crise, porém, os europeus iniciaram discussões para trocá-lo. Por uma cesta de moedas, talvez.

O presidente do Banco Central norte-americano de então era um economista gigantesco, dois metros de altura, chamado Paul Volcker.

A eles, os EUA, é bom que se diga, interessa ter sua moeda como reserva de valor internacional. Assim são financiados pelo resto do globo indefinidamente, tanto na política fiscal quanto na externa. Volto a Volcker.

Para pôr a economia nos eixos, domar a inflação e acabar com a desconfiança dos europeus, o gigante do BC norte-americano puxou a taxa de juros de 7,9% para 11,2% ao ano em 1979. Era o juro mais alto já visto naquele país desde sempre. A economia parou. Capitais do mundo todo migraram para morder a isca de Volcker. O movimento se intensificou pelos dois anos seguintes. Aos poucos, os preços se acalmaram. O dólar adquiriu novos músculos. O império resolveu seu problema.

O juro alto da matriz criou uma estupenda escassez de crédito no comércio internacional. As dívidas externas ficaram impagáveis. Houve desvalorização cambial, moratória, inflação e toda a sorte de maldades do cardápio econômico.

No Brasil, veio a primeira recessão desde o pós-guerra. O governo Figueiredo fechou uma espécie de acordo secreto com o FMI. Não queria disputar a eleição geral de 82 sob acusação de fraqueza na política econômica. Mas cumpria as determinações de ajuste passadas por debaixo da mesa pelos economistas do fundo.

Bem, o que temos agora?

Uma fissura no sistema bancário dos EUA, seguida de tremenda escassez de crédito internacional, desemprego e recessão no mundo inteiro. Fala-se novamente em tirar do dólar seu papel de referência. Paul Volcker foi nomeado pelo novo presidente Barack Obama chefe do gabinete de monitoramento da crise na Casa Branca. E o aconselha sobre as medidas a tomar para resolver o problema.

Opa, mas espera aí? Aquele ali, na foto, atrás do Lula, não é o Obama, grande sorriso na face, pronto a massagear as costas do nosso enfant terrible da política internacional? Sim, é. Acho que entendi o simbolismo.

¿Vocês não acham chique o Brasil emprestar dinheiro ao FMI?¿, perguntou o presidente. Claro que é! Significa que entramos para o clube! Agora, além de sentir os efeitos da crise, como na época de Figueiredo, teremos que botar a mão no bolso para ajudar a pagar a conta. Chique demais.