Título: Surgem os primeiros réus
Autor: Franco, Bernardo Mello e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 25/08/2007, O País, p. 3

Gushiken, Valério e João Paulo serão processados; Dirceu escapa da primeira acusação.

No terceiro dia do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia da Procuradoria Geral da República contra 19 acusados de operar o esquema de distribuição de recursos a parlamentares em troca de apoio ao governo. A decisão mandou para o banco dos réus o ex-ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica; o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara; e o publicitário Marcos Valério de Souza, apontado como o mentor operacional do esquema. O julgamento será retomado na próxima segunda-feira, às 14h, e pode se estender ao longo da semana.

Descrito na denúncia como "chefe da quadrilha", o ex-chefe da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu (PT-SP) livrou-se de quatro acusações por peculato. Os ministros do STF julgaram, por unanimidade, não haver provas suficientes de seu envolvimento em irregularidades nos contratos do Banco do Brasil com a agência DNA. A decisão também beneficiou os outros três integrantes do que o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, batizou de "núcleo central" do esquema: o ex-presidente do PT e deputado José Genoino (SP); o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares; e o ex-secretário-geral Sílvio Pereira. Mas o grupo ainda pode responder por formação de quadrilha e corrupção ativa.

Cinco petistas na lista de denunciados

Na votação mais apertada do dia, os ministros do STF decidiram, por 6 votos a 4, processar Gushiken por peculato (desvio de dinheiro público). Ele foi o primeiro integrante do antigo núcleo duro do governo petista a ter a denúncia aceita no plenário do STF. João Paulo responderá por lavagem de dinheiro, peculato e corrupção passiva. Valério será alvo de investigações por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro.

O ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto será processado por lavagem de dinheiro, assim como o deputado Paulo Rocha (PT-PA), ex-líder do PT na Câmara; e os ex-deputados Professor Luizinho (PT-SP), então líder do governo; e João Magno (PT-MG). Sócios de Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz responderão por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro. O ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato será acionado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Os primeiros réus da futura ação penal do mensalão foram conhecidos logo pela manhã. A presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e seus diretores Ayanna Tenório, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane responderão por gestão fraudulenta de instituição financeira e lavagem de dinheiro. Em seguida, os ministros analisaram o capítulo 3 da denúncia, que trata do desvio de recursos públicos em contratos da Câmara e do Banco do Brasil com a agência DNA. Ao comentar a acusação contra João Paulo Cunha por lavagem de dinheiro, o ministro Carlos Ayres Britto soltou a primeira frase de efeito da sessão.

- Quanto mais se lava dinheiro, mais este país fica sujo - afirmou.

Os ministros consideraram suficientes os indícios de que o deputado teria recebido propina de R$50 mil da agência SMP&B, de Marcos Valério, para favorecer o publicitário em licitações na Câmara. Eles também acataram as provas de desvio de recursos em contratos fantasmas fechados na Casa durante a gestão do petista.

O julgamento do caso Visanet, consórcio que teria destinado recursos do Banco do Brasil em contratos irregulares com a agência DNA, detonou uma discussão acirrada em plenário sobre o poder de Gushiken no primeiro mandato do governo Lula. Por ordem do ex-ministro, Pizzolato teria autorizado pagamentos para beneficiar o grupo de Marcos Valério. Quatro ministros contestaram o relator, Joaquim Barbosa, argumentando que o depoimento do ex-diretor do BB à CPI dos Correios não era bastante para comprovar a participação do petista.

- É nítido que isso é uma ilação muito séria e muito grave. Para mim, não há elementos suficientes de prova. Já há prejuízo para o investigado na simples instalação da ação penal - disse Eros Grau.

- Esses elementos desta denúncia realmente dificultam. Fica palavra contra palavra. Não vejo como essa ação possa ser instaurada contra o senhor Luiz Gushiken com alguma plausibilidade que se possa levar à condenação - argumentou Gilmar Mendes.

Acuado pelos colegas, Barbosa chegou a reconhecer que, se o julgamento tratasse da ação penal, absolveria Gushiken por falta de provas. Mas argumentou que, neste momento, só cabe aos ministros avaliar se há indícios suficientes para a aceitação da denúncia da Procuradoria Geral da República. Cezar Peluso saiu em defesa do relator.

- O responsável pela comunicação do governo estava alheio a essas movimentações? Se fosse um contratinho de 10 ou 20 reais para fazer uma propagandazinha aqui, outra acolá, eu poderia até acreditar nisso. Mas, o montante era muito grande para ficar apenas com um diretor de marketing - afirmou.

"Havia muito dinheiro disponível"

O ministro Marco Aurélio de Mello apostou num jogo de palavras para encerrar a questão:

- Peço vênia para não sufragar a máxima de que a corda estoura no lado mais fraco, e aceito a denúncia contra Gushiken.

Ao votar pelo acolhimento de denúncias por lavagem de dinheiro, o ministro Carlos Ayres Britto disse que estranhava a facilidade e a informalidade com que os acusados movimentavam largas quantias em dinheiro vivo. Ele lembrou que o PT não era um partido de empresários:

- Um partido político que não é de empresários, até no nome é de trabalhadores, se dispõe a financiar candidatos de outros partidos, sem contabilização regular.

Após o encerramento da sessão, o ministro enfatizou que o recebimento da denúncia não significava a antecipação do julgamento de mérito, o que só ocorrerá no decorrer das ações penais que serão abertas. Mas ele reafirmou a sua perplexidade:

- O modo como se dava a disponibilidade de recursos financeiros nos impressiona negativamente. Todos os ministros estão dizendo isso nos seus votos. Havia muito dinheiro disponível, com muita facilidade, sem registros praticamente.

O ministro Cezar Peluso lembrou que os acusados de lavagem de dinheiro eram políticos e assessores experientes. Portanto, segundo ele, ficava difícil acreditar que não tivessem desconfiado da origem dos recursos. Anderson Adauto e seu assessor José Luiz Alves, por exemplo, teriam recebido R$1 milhão do valerioduto.

- Suas defesas se atêm ao fato de que ignoravam a origem do dinheiro, que supostamente deveria ser legal, oriundo do partido. Como é que esse homens não tiveram a desconfiança de que o dinheiro que aparece com tanta facilidade, que não é dos cofres do partido, não tem origem distinta? É difícil de acreditar. Como é que o líder (Paulo Rocha) pôde deixar de desconfiar de um saque feito em quarto de hotel? - perguntou Peluso.

Completando a lista dos primeiros réus do mensalão, Simone Vasconcelos e Geiza Dias, funcionárias do grupo de Marcos Valério, serão processadas por lavagem de dinheiro. Anita Leocádia da Costa, assessora de Paulo Rocha, teve denúncia aceita pelo mesmo crime. O advogado de Marcos Valério, Rogério Lanza Tolentino, livrou-se da acusação de peculato. Mas não ficará de fora do processo: responderá por lavagem de dinheiro.