Título: Lula: 'Imprensa pensa ter o dom da verdade'
Autor: Carvalho, Ana Paula de e Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 25/08/2007, O País, p. 14

Presidente critica jornalistas, elite e FH, em discurso no qual chegou a chorar e fez elogios a Getúlio e Geisel.

CURITIBA e PORTO ALEGRE. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou um tom de crítica à imprensa no discurso de lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para saneamento e urbanização no Paraná, mas disse que aprendeu a ter paciência, afirmando que são os jornalistas que brigam com ele, e não o contrário, já que são "instrumento incomensurável para a democracia". Em dois atos públicos, Lula não respondeu a perguntas da imprensa nem comentou o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal.

- As críticas da imprensa não atingem os que vivem de salário. Pensam que, por falar em televisão ou escrever, têm o dom da verdade - disse.

"Não brigo com a imprensa. Eles brigam comigo"

Lula afirmou ser "menos nervoso" do que o governador do Paraná, Roberto Requião, em seus ataques à mídia:

- Sou menos nervoso que o Requião. Eu aprendi a ter paciência. Eu não brigo com a imprensa. Eles brigam comigo, mas eu não brigo com eles (...) O fato de ela (a imprensa) bater não impediu que eu chegasse à Presidência da República e não impediu que eu me reelegesse.

Mesmo apontando a imprensa como "instrumento incomensurável para a democracia", o presidente se mostrou irritado com as críticas.

- O programa ProUni quando lançamos, vocês sabem qual foi a manchete? O governo Lula nivela a educação por baixo.

O lançamento do PAC para o saneamento, com a destinação de verbas de R$1,25 bilhão para 35 municípios do Paraná, ocorreu em Guarituba, no município de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, considerada a maior favela do Paraná, com cerca de 100 mil habitantes. Alheio ao discurso do ministro Paulo Bernardo (PT-PR), que detalhou a aplicação dos recursos do PAC no Paraná, Lula autografou uma camiseta de uma prefeita do interior do estado e uma bandeira do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) lançada pela platéia.

Ao final do discurso, Lula chegou a se emocionar e até chorou quando lembrou da vida pobre que levou na década de 60, quando morava na Vila Carioca, periferia de São Paulo.

- A gente morava em 27 pessoas num cortiço. Só tinha um banheiro, não tinha descarga e não tinha chuveiro. Eu me sentava com minha mãe numa mesa, com mais duas irmãs, e a gente ficava olhando um para o outro, porque não tinha um bocado de feijão com água para colocar no fogo. Eu não esmoreci, não desanimei, e hoje sou presidente - disse Lula.

Para evitar possibilidade de vaias, o evento foi dentro de uma escola municipal, cuja platéia foi cadastrada previamente. Todo o público tinha crachá de identificação, repassado anteriormente ao cerimonial.

"A inveja e o preconceito são duas doenças malignas"

Ao se identificar com a população, Lula desqualificou os adversários, afirmando que sentem inveja por um metalúrgico sem diploma superior comandar o país.

- Tem gente que fica o tempo inteiro torcendo para que a coisa não dê certo. A inveja e o preconceito são duas doenças malignas que nascem na cabeça de algumas pessoas. Eles vão morrer, porque um metalúrgico está fazendo mais do que eles - disse ele referindo-se ao que disse ser a "elite" brasileira.

O presidente também dirigiu indiretas ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

- Amanhã não vou mais ser presidente da República, e sabe onde vou estar? Não vou fazer curso em Paris e nos Estados Unidos. Vou voltar para minha gente, que são vocês.

Lula ressaltou a importância do PAC, dizendo que no passado os administradores não gostavam de fazer obras de saneamento porque ficam enterradas, e não se pode colocar placa.

- Há mais de 30 anos o Brasil não via isso. O último presente a investir em infra-estrutura foi o Geisel, em 1975 - elogiou o presidente, que homenageou também Getúlio.

- Hoje se comemora a morte do mais importante presidente que o Brasil já teve, Getúlio Vargas. Criou a CSN, a Petrobras e muitas coisas. Por pressão, foi levado a dar um tiro no coração.

O presidente também lançou o PAC em Porto Alegre. Lá, disse que é um "verdadeiro inferno" fazer as coisas acontecerem no Brasil, referindo-se às dificuldades para a realização de obras de saneamento básico, muitas vezes impedidas de serem realizadas não por falta de dinheiro, mas pela burocracia.

- No Brasil, o problema hoje não é dinheiro, porque sabemos que R$30 milhões, R$40 milhões, R$500 milhões se arruma. O problema é que às vezes você quer arrumar e não tem projeto. Quando tem projeto, não tem licença prévia. Quando tem licença prévia, o Tribunal de Contas da União cria um embaraço. Quando está tudo resolvido, tem uma ação popular. Quando faz a licitação, a empresa que perde entra com uma ação na Justiça. É um verdadeiro inferno - afirmou Lula a uma platéia de prefeitos e empresários na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul.

Para evitar essas dificuldades, disse, uma das condições para a liberação dos R$1,6 bilhão para 39 prefeituras gaúchas foi a apresentação prévia de projetos pelos prefeitos.

Lula também lembrou Getúlio, gaúcho de São Borja. Citou a criação da CLT e defendeu sua adaptação à nova realidade do mundo do trabalho.

- Sou adepto da discussão, apesar de muitos companheiros sindicalistas serem contra.

Lula disse ainda que seu governo pretende dar "tratamento especial" ao Rio Grande do Sul que, segundo ele, entrou em processo de "regressão" nos últimos anos. Mas, afirmou, não adianta procurar culpados.

(*) Especial para o GLOBO; (**) Enviado especial