Título: Conselho aprova cassação de Renan por 11 votos a 4
Autor: Lima, Maria
Fonte: O Globo, 06/09/2007, O País, p. 3
SUCESSÃO DE ESCÂNDALOS
Resultado, obtido em votação aberta, pode não se confirmar no plenário.
Mais de três meses após a denúncia de que o presidente do Senado teria tido despesas pagas por um lobista da empreiteira Mendes Júnior, o Conselho de Ética da Casa aprovou ontem, por ampla maioria, a cassação do mandato de Renan Calheiros (PMDB-AL). Com 11 votos sim e quatro não, foi aprovado o relatório de Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS). Os três representantes do PT, aliado do PMDB de Renan, votaram pela cassação.
O resultado, pelo voto aberto, entretanto, pode não se confirmar na votação em plenário, prevista para a próxima quarta-feira. Com o voto secreto, a avaliação realista hoje é de que Renan teria o controle de 46 votos para se livrar da cassação no plenário. São necessários 41 votos para cassar o mandato de um senador, e os defensores dessa medida só contam com 35. Com a estratégia da tropa de choque de Renan de agilizar o processo, para impedir que os relatores consigam virar pelo menos seis votos, a sessão de ontem do Conselho de Ética foi tranqüila.
Ao fim de três horas de discussão, começou a votação. Na chamada nominal feita pelo presidente do Conselho, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), a única surpresa foi o voto, favorável à cassação, dado pelo senador petista João Pedro (AM), que estava disposto a seguir a orientação da líder Ideli Salvatti (PT-SC) e depois foi liberado. O PMDB de Renan não gostou.
- O PT tem que responder com lealdade, como o PMDB sempre foi leal ao governo - cobrou Gilvam Borges (PMDB-AP), da tropa de choque de Renan.
- Se fosse um senador do PT (na mesma situação que Renan), eu teria agido da mesma forma - respondeu o petista Eduardo Suplicy (SP), completando, mais tarde: - Acho que há uma tendência forte para que o PT vote inteiro também no plenário. Os esclarecimentos que esperávamos não vieram. Para mim, há ainda quatro perguntas não respondidas. O João Pedro se sentiu melhor votando comigo e com o Augusto Botelho.
- O resultado foi mais significativo do que esperávamos. Os únicos quatro votos contra a cassação foram partidários, do PMDB de Renan - afirmou Renato Casagrande (PSB-ES), um dos relatores do caso no Conselho: - O Senado vai ficar na sua pior fase se não resolver isso quarta-feira, com a aprovação do relatório. O Renan vai continuar na presidência, com outras três representações para serem votadas. A crise não terá prazo para terminar.
No plenário, apoio de 46 ao senador
Enquanto Renan passará os próximo dias tentando assegurar o apoio dos 46 senadores que acredita ter no plenário, os que defendem a cassação do mandato vão tentar convencer os colegas com o discurso do desgaste da instituição.
- A mudança dos votos no plenário, com a absolvição lá no voto secreto, depois desse resultado avassalador de hoje, será uma covardia muito grande com o Brasil - disse José Nery (PSOL-PA), autor da representação contra Renan.
- Esse escore (11 a 4) do Conselho, por uma questão de coerência, se repetirá no plenário do Senado. O Brasil está olhando para essa sala e vai comparar a votação de hoje com a da semana que vem - afirmou o líder do DEM, Agripino Maia.
Na sessão, coube ao senador Wellington Salgado (PMDB-MG) ler o voto contrário, preparado pelo advogado Eduardo Ferrão. Com gestos teatrais, Salgado irritou senadores ao dizer que os relatores Casagrande e Marisa Serrano haviam mentido.
Salgado defendeu a absolvição de Renan, alegando que não houve quebra do decoro no fato de ele utilizar um amigo lobista para entregar os pagamentos de pensão à jornalista Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha. Também negou que Renan tenha apresentado uma emenda ao Orçamento da União para beneficiar obra da Mendes Júnior em Alagoas.
- Se mentir no Conselho é quebrar o decoro, indago-me se a quebra de decoro não partiu da própria relatoria - disse Salgado, em voto separado.
Marisa Serrano e Casagrande reagiram:
- Nosso relatório não pode ser visto como deslealdade e mentira. Fizemos nosso parecer como devia ser feito: em cima da ética e do decoro - respondeu Marisa, com a solidariedade de vários colegas do Conselho.
- Não existe nenhum aspecto de deslealdade. Pode ser que sejamos duros, como fomos, mas pelo que encontramos. Desleais, nunca. Não fizemos nenhum factóide, nenhum espetáculo. Nó nos baseamos tecnicamente nas investigações da Polícia Federal - completou Casagrande.
O discurso de Salgado teve o apoio entusiasmado do relator vencido, Almeida Lima (PMDB-SE).
- Parabéns! Seu voto foi simplesmente demolidor! É irrespondível e irrefutável. Leviandade, mentira e deslealdade foram levantadas - reforçou Almeida Lima, insistindo que Renan não apresentara emenda para favorecer a Mendes Júnior.
Marisa Serrano, então, apresentou documento da Comissão de Orçamento mostrando que a obra da construção de um cais em Maceió, orçada em R$46,5 milhões, começou em 2001 e foi paralisada em 2004. Em 2006, a obra da Mendes Júnior, do lobista Cláudio Gontijo, recebeu dois créditos extraordinários, via medida provisória, de R$2 milhões e R$15 milhões.
"Esse conjunto de ações, aliado ao fato do uso de um lobista de uma construtora com interesses financeiros junto à União, para intermediar o pagamento de despesas pessoais, são gravíssimas irregularidades que por si só já tipificam a flagrante quebra de decoro parlamentar", diz o parecer de Serrano e Casagrande.
A votação lotou as caixas de e-mails dos senadores ontem. Suplicy recebeu centenas de mensagens de apoio e alertas de que todos estavam de olho também na votação no plenário. Apenas dois de críticas. Um deles, enviado pelo cantor Agnaldo Timóteo, vereador por São Paulo, foi bastante desaforado. Já o senador Gilvam Borges (PMDB-AP) diz que também recebeu muitos e-mails de apoio. Alguns, confessou, enviados pela própria assessoria, para lhe levantar o moral.
- Na rua, muitos me esculhambam, mas também me abraçam.
Jader e Severino renunciaram
A decisão do Conselho deixa Renan numa situação parecida com a que já viveram outros dirigentes do Senado e da Câmara ameaçados de cassação do mandato. Jader Barbalho (hoje deputado pelo PMDB-PA) renunciou à presidência do Senado em 2001 para escapar da cassação no escândalo da Sudam. E o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) renunciou à presidência da Câmara, em 2005, também para escapar da cassação, dessa vez no escândalo do mensalinho.