Título: Formalistas, conteudistas e independentes
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 26/08/2007, O País, p. 8

Três grupos distintos compartilham - e disputam - o poder no STF, a mais alta Corte do país.

BRASÍLIA. A troca de mensagens pela intranet entre os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia na abertura da sessão de julgamento do mensalão, na quarta-feira, expôs rixas internas no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte, atualmente com dez ministros - o décimo primeiro, Sepúlveda Pertence, aposentou-se antes do julgamento -, possui claras divisões na conduta jurídica de seus membros. Segundo advogados ouvidos pelo GLOBO, é possível apontar três grupos distintos na mais alta Corte do país: os formalistas, considerados mais conservadores; os que se apegam aos conteúdos dos temas que votam, tidos como mais liberais; e os independentes, sem vínculos com os colegas.

O grupo dos formalistas, o mais numeroso na atual composição do STF, é formado pelos ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Eles valorizam aspectos formais do processo, independentemente do conteúdo das acusações. No time dos "conteudistas" estão os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa. Mais preocupados com o conteúdo dos processos, estes ministros são mais flexíveis em relação a regras processuais.

Numa terceira frente perfilam Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto, classificados como independentes. A formação dos grupos é baseada em afinidades ideológicas e pessoais, mas a definição dos votos nem sempre reflete preferências políticas. As opções dos grupos são, em geral, norteadas pela visão que cada um tem da aplicação das regras processuais, e não necessariamente a conceitos de categorias políticas como direita e esquerda.

Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Cezar Peluso são identificados com grupos políticos conservadores. Recentemente, Eros Grau, ex-militante do PCB, se aproximou dos três. Para advogados e especialistas que acompanham de perto o julgamento, a maior surpresa até o momento é Peluso. Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Peluso tem sido defensor ardoroso do relatório de Joaquim Barbosa, favorável ao acolhimento praticamente na íntegra da denúncia do procurador-geral Antonio Fernando de Souza. Peluso teria deixado de lado a postura tradicional para endossar até os aspectos mais frágeis da denúncia.

- Ele está se tornando um líder dos conservadores. É incisivo, fala muito, influencia os demais - diz influente advogado.

Peluso foi indicado por Lula e contou com o apoio incondicional do ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Em 2003, Bastos chegou a pôr o cargo de ministro à disposição quando soube que o então chefe da Casa Civil José Dirceu vetara a indicação de Peluso. Dirceu é um dos 40 acusados na denúncia do mensalão.

Mendes, Peluso e Grau até entraram em campanha pela indicação de Carlos Alberto Direito, ministro do Superior Tribunal de Justiça, para a vaga deixada por Pertence. A mobilização dos três, aparentemente vitoriosa até o momento, desagradou a Cármen Lúcia e Lewandowski.

Nas mensagens trocadas na quarta-feira, os dois ministros manifestam descontentamento pela suposta escolha de Direito. Também fazem críticas a Marco Aurélio, presidente da Primeira Turma do STF. Ao que tudo indica, a escolha de Direito reforçaria a ala conservadora da Primeira Turma. Em tom de ironia, Marco Aurélio disse que se sentia elogiado com os comentários dos colegas, publicados pelo GLOBO quinta-feira.

Cármen Lúcia, Lewandowski e Joaquim Barbosa são vistos com simpatia por setores de esquerda da sociedade. Os três foram indicados por Lula.

- Em qualquer colegiado, as pessoas se identificam por afinidades ideológicas, filosóficas e pessoais. No Supremo também. Agora, achar que isso define voto é bobagem - diz o advogado Sigmaringa Seixas, ex-deputado pelo PT (DF).

Como exemplo de que ideologia não revela voto, Sigmaringa cita a votação sobre o indiciamento do ex-ministro Luiz Gushiken por peculato, um dos crimes mais graves apurados no inquérito. A denúncia foi acolhida por seis a quatro:

- O voto da Cármen Lúcia, que teria afinidades com o PT, foi decisivo contra Gushiken.

Já Gilmar Mendes, que lideraria o grupo de conservadores, votou pela rejeição da denúncia de peculato contra o ex-ministro petista. Segundo o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, que atua há mais de duas décadas do STF, Mendes é um legalista de primeira hora. O ministro teria votado contra a denúncia porque considerou a acusação inconsistente. Mendes e Ellen Gracie foram indicados para o STF pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ela votou a favor da denúncia contra Gushiken.