Título: Ex-procurador sugere força-tarefa para acelerar processo do mensalão
Autor: Brígido, Carolina e Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 27/08/2007, O País, p. 4

MENSALEIROS NO TRIBUNAL: Cada um dos réus tem direito a oito testemunhas.

Demora pode beneficiar réus com prescrição de crimes, situação comum no STF.

BRASÍLIA. Uma estatística preocupante paira sobre as expectativas do Ministério Público de punir os réus do mensalão: na história da democracia brasileira não foi registrada uma única condenação no Supremo Tribunal Federal. Para evitar que seu trabalho se transforme em pizza, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, autor da denúncia contra 40 suspeitos de integrar o esquema, terá de lutar contra o tempo. Cada um dos réus tem direito de depor e de convocar oito testemunhas - o que pode levar a 320 o número de depoimentos, sem contar com os 40 acusados. Antecessor de Antonio Fernando no cargo, o procurador Claudio Fonteles aposta numa fórmula simples: delegar a juízes federais de primeira instância a missão de ouvir todas as testemunhas em nome do STF.

O mecanismo foi utilizado, com sucesso, na fase do inquérito no Supremo. Fonteles acredita que, se for feita uma espécie de força-tarefa, a partir do acolhimento da denúncia, todas as pessoas podem ser ouvidas em dois meses. Após aberta a ação penal que concluirá as investigações, caberá ao procurador-geral cobrar providências céleres para evitar a prescrição dos crimes antes fim do julgamento - como ocorre em boa parte dos processos que chegam à mais alta corte de Justiça.

Ex-procurador acredita que julgamento será em 2009

Nessa fase, será concluída a produção de provas. Fonteles acredita que não será mais necessário determinar quebras de sigilos ou perícias durante o processo penal. Ao fim dos depoimentos, os autos voltam às mãos do relator, ministro Joaquim Barbosa, que os enviará ao Ministério Público para alegações finais. Depois, caberá aos advogados se manifestar no processo. Por fim, os réus serão julgados pelo plenário do STF. Num cálculo otimista, Fonteles acredita que isso ocorrerá no início de 2009:

- O trabalho me parece extremamente consistente, muito sério. Levo muita fé e fico orgulhoso de fazer parte do Ministério Público em momentos como este. Em um ano ou um ano e meio, dá para concluir o processo.

Não é só o risco de prescrição dos crimes que assombra o MP. A instituição ainda guarda traumas de 1994, quando o STF absolveu o ex-presidente Fernando Collor de Mello da acusação de corrupção passiva por falta de provas, dois anos após aceitar a denúncia por unanimidade. No julgamento do mensalão, ministros questionaram a qualidade dos indícios apresentados - principalmente trechos baseados em depoimentos colhidos na CPI dos Correios e no início da investigação.

Procurador-geral da República entre 1989 e 1995, o advogado Aristides Junqueira, autor da denúncia contra Collor, diz que o principal desafio de Antonio Fernando será provar que os saques feitos por parlamentares de partidos aliados foram diretamente recompensados com apoio político em votações de interesse do governo, como denunciou o deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ).

Para caracterizar os crimes de corrupção ativa e passiva, o MP terá que demonstrar a relação de causa e efeito entre os repasses de dinheiro e as votações no Congresso.

No capítulo em que trata da compra de votos, a denúncia cita a atuação dos parlamentares em defesa do governo na aprovação de duas emendas constitucionais: as reformas tributária e da Previdência, em agosto e setembro de 2003. Mas deixa de descrever, em detalhes, a conduta individual dos deputados indiciados no inquérito. Esse é o principal argumento da defesa: a ausência do chamado ato de ofício, figura jurídica que descreve o ato ilícito praticado pelo funcionário público em troca de uma vantagem indevida.

- O crime de corrupção passiva é difícil de ser provado, pois a lei exige que se demonstre de que forma específica a propina foi recompensada. Collor viveu durante todo o mandato com dinheiro fornecido pelo tesoureiro Paulo César Farias, mas o STF decidiu que, como não teria prometido nada em troca, poderia receber o que quisesse - diz Junqueira.

Aristides Junqueira lembra das críticas no caso Collor

Segundo Fonteles, as provas contidas no inquérito não seriam fortes o suficiente para justificar condenações. No entanto, pondera que, nesta fase, bastam indícios para abrir ação penal. Os depoimentos colhidos durante o processo se encarregariam de comprovar o esquema até o julgamento final. A tese é reforçada pelo presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo:

- Levando em conta a quantidade de réus, é evidente que o procurador-geral não apresentaria tudo agora. Ao longo do processo, ele poderá trazer as provas que a sociedade espera - explica.

Treze anos depois da absolvição de Collor, por cinco votos a três, Junqueira ainda lembra com tristeza das críticas sofridas depois do resultado. Ele diz que sua denúncia foi desqualificada antes mesmo de ser julgada e, sem citar nomes, atribui a origem dos ataques à parte dos integrantes do STF à época. Dos oito ministros que votaram, apenas Celso de Mello - que rejeitou a condenação de Collor - participa do julgamento do mensalão. O ex-procurador admite, no entanto, que a derrota também faz parte do jogo:

- Só me rebelo contra as decisões judiciais de que ainda posso recorrer. O STF pode fazer transformar o quadrado em círculo, o preto em branco, e não há como reclamar.