Título: Ex-deputados sanguessugas podem voltar ao Congresso
Autor: Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 27/08/2007, O País, p. 8

Regimento proíbe desarquivamento de processos, aumentando chances de suplentes assumirem mandatos.

BRASÍLIA. Desde o último dia 15 de agosto, todos os deputados envolvidos no escândalo dos sanguessugas que não se reelegeram, mas que são suplentes, estão com o caminho aberto para retornar à Câmara sem correr o risco de perder o mandato. Estão livres para voltar, anistiados graças ao artigo 105 do Regimento Interno da Câmara, que proíbe o desarquivamento desses processos após transcorridos os primeiros 180 dias da nova legislatura. Como há eleições no ano que vem, são grandes as chances de sete deputados que ocupam a primeira suplência de assumir o mandato. Outros seis são segundos suplentes.

Dos 69 deputados citados no escândalo, 45 disputaram a reeleição e apenas cinco conseguiram voltar à Câmara. Os 40 restantes foram atingidos pela repercussão do caso e não retornaram. Mas um grupo de treze alimenta o sonho de reassumir uma cadeira na Câmara, na expectativa de que algum titular seja chamado para assumir alguma secretaria de Estado ou concorra, e vença, a eleição para alguma prefeitura em 2008.

Processos contra deputados não foram concluídos

Os treze deputados mais bem colocados como suplentes, e com reais chances de assumir a titularidade na Câmara, foram salvos pelo gongo ano passado. O Conselho de Ética abriu processo contra eles, mas não houve tempo hábil para julgar todos até o final do ano e da legislatura, que terminou em dezembro de 2006. Como não se reelegeram, o caso foi arquivado.

Os processos ficaram pelo caminho. Não reeleitos, os deputados não tiveram pressa em apresentar suas defesas e protelaram tudo ao máximo. Alguns apresentaram a defesa no limiar da legislatura, sem tempo para sua análise e julgamento. Na maioria dos casos, os relatores não conseguiram ouvir testemunhas arroladas, nem ouvir os acusados. O clima foi de final de festa. Os deputados envolvidos no esquema sanguessuga escaparam até do desgaste público de responder ao processo.

Em alguns casos, é possível saber se o parlamentar iria enfrentar dificuldades ou não. A então deputada Celcita Pinheiro (DEM-MT), por exemplo, teve um parecer favorável da relatora Ann Pontes (PMDB-PA), que concluiu que a colega não recebeu vantagens do esquema dos irmão Vedoin, dono da Planam e centro de toda a corrupção do escândalo. Mas o parecer sequer foi votado no Conselho.

Situação semelhante foi a do deputado Érico Ribeiro (PP-RS), que teve parecer pela improcedência da acusação aprovado pelo Conselho, parecer que não chegou ao plenário. O relator foi Zenaldo Coutinho (PSDB-PA). Érico foi acusado de receber 10% do valor de cada emenda para o esquema, mas nada ficou provado contra ele.

O deputado Marcelino Fraga (PMDB-ES) chegou a renunciar ao mandato, tentou a reeleição e, ainda assim, conseguiu ficar na segunda suplência da coligação no seu estado.

PSOL vai propor emenda ao regimento da Câmara

Por outro lado, Iris Simões (PTB-PR) e Ricarte Freitas (PTB-MT), se assumirem o mandato, o deverão ao artigo do regimento que lhes garante a anistia. Os processos dos dois foram relatados por José Eduardo Cardozo (PT-SP). Ele apresentou parecer sobre os dois (que não foi apreciado), no qual afirma que dificilmente deixaria de propor a cassação de ambos.

Iris Simões foi acusado de ter recebido R$217 mil entre 2001 e 2003 de Luiz Antônio Vedoin, por ter destinado emendas parlamentares de sua autoria para compra de ambulâncias superfaturadas. Ricarte Freitas teria recebido um automóvel do esquema como antecipação de suas comissões, além do resgate de uma dívida de R$118 mil e mais R$250 mil. Em suas defesas encaminhadas à Câmara, os dois negaram as denúncias.

A anistia assegurada pelo regimento da Câmara é criticada por outros deputados. Tramitam na Câmara alguns projetos que impedem que candidatos processados, em vários níveis, tenham direito a legenda para disputar a reeleição ou tentar um primeiro mandato. Entre os defensores dessa tese estão o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ), e o suplente Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), atual secretário nacional de Justiça.

- Isso representa a prescrição sumária do delito. A representação parlamentar fica, mais uma vez, apequenada. Todas as malfeitorias praticadas com investigação interrompida não contam mais. Vamos ter a Câmara da amnésia e a bancada dos sem-decoro - diz Alencar.

O líder do PSOL anunciou que seu partido vai apresentar emenda ao regimento prevendo que todo processo disciplinar inconcluso será automaticamente retomado assim que o representado for empossado, em qualquer tempo.