Título: A impunidade dos milicianos
Autor: Rocha, Carla e Amora, Dimmi
Fonte: O Globo, 27/08/2007, Rio, p. 19

Apesar da expansão de grupos paramilitares, nenhum policial foi punido por essa prática nos últimos 18 meses.

A expansão territorial das milícias, que ocupam 98 favelas do Rio, não encontra paralelo nas planilhas de punições aplicadas aos policiais ligados aos grupos paramilitares. Em contraste à ampliação de poder dos milicianos, a Corregedoria-Geral Unificada (CGU) não enquadrou pelo desvio nenhum policial militar ou civil, nos últimos 18 meses.

Para o corregedor-geral, Gustavo Adolpho Kuhl Leite, de 72 anos, os principais obstáculos para a punição dos policiais envolvidos em milícias são o corporativismo e o medo dos moradores em testemunhar.

Leite ressalta que nem mesmo policiais honestos denunciam aqueles envolvidos em crimes. Os comandos de batalhões que atuam onde há milícias também não combatem os grupos. Segundo ele, não são realizadas operações em comunidades dominadas por paramilitares.

- Eles se omitem. Não lembro de nenhum caso em que um policial testemunhou contra outro. Há dificuldade até para preencher vagas na corregedoria - diz ele, que defende como saída a autonomia do órgão, com implantação de planos de cargos, onde o servidor não terá vínculo com as polícias.

PMs citados em 299 denúncias

No caso dos moradores, a situação é mais delicada. Segundo o corregedor, além do medo de represálias, há também moradores que preferem o domínio dos milicianos aos dos traficantes.

- É lamentável, mas a lei não chega a essas comunidades, onde valem as regras impostas por traficantes e milicianos. Alguns moradores são até simpáticos às milícias, mesmo tendo que pagar. O corregedor-geral afirma que a expansão das milícias preocupa a secretaria de Segurança Pública. Para Gustavo Leite, esses policiais devem ser punidos com a expulsão:

- O policial é um agente da lei. Ele não pode usar a função para transformar uma favela em um estado paralelo.

Como o desvio não é tipificado no Código Penal, Gustavo Leite acrescenta que o policial envolvido com milícias deve ser indiciado por formação de quadrilha e extorsão, caracterizada pela cobrança de taxa para garantir a segurança.

Há oito meses à frente da CGU, o desembargador aposentado aponta a extorsão como o principal crime praticado por policiais. A afirmação é feita com base em denúncias recebidas nos últimos 18 meses. Nesse período, a corregedoria registrou 547 comunicados, sendo 93 ligados à prática de extorsão.

Na estatística, PMs respondem por 50 casos, seguidos de policiais civis, citados em 42 denúncias, e um caso envolvendo um bombeiro. O corregedor ressalta que a extorsão geralmente está associada à ameaça, ao abuso de autoridade, à agressão e à tortura. Somados, os registros desses itens resultam em 336 das 547 denúncias.

Segundo o corregedor, 205 procedimentos estão em andamento na CGU: 160 relacionados a policiais civis, 25 a PMs, 13 a bombeiros, seis crimes praticados em conjunto por PMs e civis, e um caso envolvendo homens das três corporações.

Leite confirma que a maior parte dos 205 procedimentos envolvem mais de um agente da lei. O corregedor-geral, no entanto, não informou com precisão o número de policiais e bombeiros investigados.

O quadro de punições da CGU, de janeiro de 2006 a junho passado, revela que, apesar de PMs serem citados em 299 denúncias, nenhum foi expulso. Já 25 policiais civis foram demitidos e 38 punidos com suspensão de até 90 dias.