Título: A maior clientela do STF situa-se no Congresso
Autor: Franco, Bernardo Mello e Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 29/08/2007, O País, p. 8

MENSALEIROS NO TRIBUNAL: Decano do Supremo atribui o acúmulo de ações à má conduta de parlamentares.

Afirmação é de Celso de Mello; para Ayres Britto, tribunal sinaliza que quer um país com ética na política.

BRASÍLIA. Decano entre os dez integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello atribuiu ontem o acúmulo de ações penais na Corte à má conduta dos parlamentares brasileiros. Ao fim da quinta e última sessão de análise da denúncia contra os 40 acusados de operar um esquema de compra de apoio político ao governo, ele disparou uma crítica a deputados e senadores que se escudam no foro privilegiado para serem julgados na mais alta Corte de Justiça do país.

- A maior clientela do Supremo situa-se no Congresso - disse o ministro, ao comentar o discurso de encerramento da presidente do tribunal, Ellen Gracie Northfleet.

Britto: denúncia cheia de indício

Antes mesmo do fim do julgamento, o ministro Carlos Ayres Britto admitiu a surpresa com o número de crimes listados pelo Ministério Público. Resumidas em 136 páginas, as provas reunidas pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, levaram o ministro a rebater as críticas dos advogados dos 40 denunciados, que se revezaram na tribuna para classificar a peça de acusação de "inepta", "ficcional", "fantasiosa" e "vazia".

- Longe de ser uma denúncia vazia, é cheia de indícios, suficientes para o recebimento da denúncia. A denúncia é indicativa de fatos que, em tese, configuram mesmo crimes em quantidades enlouquecidas - disse Ayres Britto, ao chegar ao tribunal.

Ayres Britto afirmou que o plenário do STF fez um julgamento técnico, sem juízo político da conduta dos indiciados - entre eles, o ex-chefe da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu (PT-SP) e parlamentares de cinco partidos acusados de integrar o esquema. Para o ministro, a repercussão do julgamento demonstrou que o país cobra mais ética aos detentores de cargos políticos.

- O Supremo trabalha tecnicamente, mas política e eticamente o tribunal está sinalizando que quer um país com qualidade de vida política e ética. Eu me permito dizer que, onde a ética na política não é tudo, a política não é nada - afirmou o ministro, que elogiou os trabalhos realizados pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e pelo relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa.

O ministro Marco Aurélio de Mello disse que o julgamento do mensalão "excomunga" o sentimento de impunidade no Brasil, após a aceitação da denúncia criminal contra figuras-chave do primeiro mandato do governo Lula.

- A apreciação desse caso revela, em primeiro lugar, que processo não tem capa. O fato de estar envolvido este ou aquele cidadão não norteia o crivo do tribunal. Em segundo lugar, que as instituições estão funcionando. E aí nós temos que admitir que está havendo um avanço cultural, porque o pior em termos de avanço cultural é o sentimento de impunidade, e essa decisão do Supremo revela que esse sentimento está excomungado de uma vez por todas - disse Marco Aurélio, ao voltar do intervalo de almoço.

Relator do inquérito, o ministro Joaquim Barbosa foi mais cauteloso ao comentar o resultado do julgamento, que mandou para o banco dos réus todos os 40 denunciados pela Procuradoria Geral da República. Ele se esquivou de responder se a decisão dos ministros significava que o mensalão, de fato, existiu como narrado pelo Ministério Público Federal.

- Cada um tira a conclusão que quiser. O meu voto explica bem, de maneira bastante didática, o que estava contido na denúncia. E as conclusões que eu, pessoalmente, como relator, tirei das descrições que a denúncia continha e que as peças dos autos demonstravam - disse o relator.

Joaquim Barbosa afirmou ainda que o julgamento foi conduzido por critérios técnicos, e não políticos:

- Quem assistiu ao julgamento teve oportunidade de perceber que as discussões foram eminentemente técnicas. Aliás, nem sequer suscitaram reação das pessoas que estavam do lado prejudicado.

Atuação de Ellen Gracie é elogiada

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie Northfleet, informou que, durante os cinco dias de análise da denúncia do mensalão, o STF distribuiu 2.094 processos aos dez ministros que compõem atualmente o tribunal. O plenário está com uma poltrona vaga há duas semanas, desde a aposentadoria antecipada de Sepúlveda Pertence.

Após a sessão, a presidente do Supremo, que foi nomeada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2000, ouviu uma série de elogios do ministro Carlos Ayres Britto. Antes que os colegas deixassem o plenário, ele destacou o "irretocável planejamento e a organização e o empenho pessoal" com que a ministra dirigiu as cinco cansativas sessões do julgamento.