Título: Conceição e Delfim defendem queda de juros
Autor: Melo, Liana e Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 29/08/2007, Economia, p. 29

Economistas trocam de lugar: enquanto petista critica o governo, peemedebista, apesar de ressalvas, elogia Lula.

RIO e SÃO PAULO. Os economistas Maria da Conceição Tavares e Delfim Netto sempre estiveram em campos opostos. Ontem, eles trocaram de lugar ao falarem em público no eixo Rio-São Paulo. Enquanto ela, petista de carteirinha, fez críticas ao governo Lula, mesmo admitindo que a postura conservadora do Banco Central (BC) vem permitindo ao país acumular reservas, ele, que foi ministro da Fazenda no governo militar e hoje é peemedebista, elogiou o presidente. Ambos, no entanto, alfinetaram o conservadorismo do governo ao manter os juros num patamar elevado.

As críticas de Conceição foram feitas no auditório do BNDES, no Rio, durante aula inaugural do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. As de Delfim, em sabatina promovida pelo jornal "Folha de S.Paulo" na capital paulista. Ainda que a turbulência financeira não tenha chegado ao fim, os dois economistas estão de acordo que não há motivos para os juros reais continuarem oscilando acima de 3%.

- O Brasil está muito bem, e, em princípio, nosso potencial de crescimento é maior que o de outros países da América Latina - avaliou Conceição, criticando, no entanto, o fato de o governo adotar uma política monetária restritiva, apesar de o Brasil estar mais bem preparado que outros vizinhos.

Delfim e Conceição ainda estão de acordo com relação à blindagem do país contra os choques externos.

- Temos reservas de US$160 bilhões, ou seja, com US$120 bilhões disponíveis e mais US$40 bilhões para aplicação na bolsa, o que evita um overshooting (disparada) cambial - disse Delfim, referindo-se à capacidade do BC de agir em caso de uma inversão da atual liquidez nos mercados globais.

Perguntado se conversou com Lula, nos últimos tempos, para discutir economia, Delfim - que não conseguiu se reeleger deputado federal na última votação - foi irônico:

- Eu não passo cola e o Lula não precisa de cola. O Lula é um sobrevivente, chegou aonde chegou e está fazendo o que pode ser feito.

Separados pela História e unidos pelo respeito

Apesar dos elogios pessoais a Lula, Delfim não poupou críticas à política econômica do governo. Nas duas horas de sua sabatina, ele defendeu a queda dos juros para controlar o câmbio e um regime único de aposentadoria para os setores público e privado. Conceição compartilha desse ponto de vista e foi o que deixou claro nas três horas de sua palestra, que versou sobre o processo de industrialização no Brasil.

Apesar da histórica oposição, Conceição se referiu a Delfim várias vezes em sua apresentação. Em todas elas, falou do colega economista de forma respeitosa. Só perdeu mesmo a calma quando questionada sobre o ritmo das reformas no Brasil. Irritada com a pergunta, ela disparou sua verve contra um jornalista. Delfim também sempre considerou a colega uma profissional de altíssima qualidade.

Delfim está convencido de que ou o governo Lula repassa parte da responsabilidade dos investimentos em infra-estrutura a empresas privadas ou diversos setores da economia passarão por dificuldades. Ele ainda criticou o aumento das despesas de custeio do governo e disse que chegar ao "déficit nominal zero" (despesas iguais a receitas, mesmo após o pagamento de juros) será bom para o país apenas se associado à redução da carga tributária. E apontou o que considera ser o patamar ideal para as taxas de juros:

- Não vejo motivos para a nossa taxa de juros reais ser maior que 3% ou 4%. O governo não pode fazer nada contra a valorização cambial, mas pode trabalhar contra a supervalorização. Por isso, é preciso reduzir os juros.

Delfim: "Ainda bem que Lula não é um intelectual"

Não bastassem serem críticos do BC, Conceição e Delfim compartilham as mesmas idéias em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso. Mesmo sem combinar, os dois aproveitaram para alfinetar o ex-presidente.

- Somos o neoliberalismo tardio da América Latina graças ao FH. Junto com ele, alguns progressistas se perverteram e viraram conservadores aos 60 anos - cutucou a economista, que já foi amiga de Fernando Henrique, mas hoje está brigada com o ex-presidente (os dois não se falam).

Depois de lembrar que o país recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1998 e 2002, no período FH, Delfim afirmou que, não se fosse a "sorte" de o mundo ter se expandido fortemente nos últimos cinco anos, ainda hoje o Brasil estaria refém das crises externas:

- Ainda bem que o Lula não é um intelectual.

A elevada carga tributária e a incapacidade do governo de investir mais na economia também foram alvo de críticas do ex-ministro:

- Em 1993, 1994, foi a última vez em que o país cresceu. Está certo que havia uma inflação pavorosa, mas a carga tributária naquela época era de 34% do PIB, e o Estado investia 4%. Hoje, a carga é de 37%, e o Estado só investe 2%.

Sobre a pujança do mercado interno, que vem garantindo boa parte da expansão do PIB, Delfim foi direto:

- Não dá para ter um mercado interno robusto apoiado na agricultura e na mineração.

O ex-ministro também alertou para os gastos previdenciários. Segundo ele, enquanto a média de aposentadoria no setor privado é de dois salários mínimos, no Executivo é de 14, no Legislativo, de 25, e no Judiciário, de 35. Delfim defende corte de custeio e de salários.