Título: O Judiciário está saindo do Olimpo
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 30/08/2007, O País, p. 3

MARIA CELINA D"ARAÚJO

A historiadora Maria Celina D"Araújo, do CPDoc da Fundação Getulio Vargas, ressalta o ineditismo da decisão do STF e afirma: o Judiciário aparentemente se sensibilizou com o sentimento de fadiga que toma conta do Brasil.

Maiá Menezes

Qual a importância histórica de um julgamento desse porte?

MARIA CELINA D"ARAÚJO: A decisão do STF de processar 40 pessoas que integraram o centro do poder é inédita. É um processo que envolve o que era o coração do Poder Executivo. Mas um fato também inédito é que pela primeira vez a corrupção foi incorporada à pauta da principal Corte do país. Isso é alentador. O tema, no Brasil, tem sido tratado com vista grossa. Esperamos que, com as provas colhidas, haja punição.

O acolhimento da denúncia tem reflexo na sensação de impunidade que paira sobre os brasileiros?

CELINA: Sem dúvida que o país tem uma história de impunidade. O tribunal dá, de fato, um sinal muito bom à sociedade fadigada. Há uma sensibilidade do Judiciário em relação a isso. A Corte precisa agora se prevenir contra a lentidão e a morosidade.

A decisão marca a imagem do PT e do presidente?

CELINA: A imagem do PT, sim. Afinal, a denúncia atinge ex-integrantes da cúpula do partido. O PT tem um capital político, mas é uma marca indelével. O fato é que o impacto é menor no presidente. Ele disse que não sabia de nada e acabou se afastando do caso. Há muito tempo lavou as mãos. Em toda a história da República, é o presidente que conta com a maior boa vontade da população.

O que o levou a essa blindagem?

CELINA: Há uma grande tolerância em relação a ele, que usufrui dessa tese de que uma pessoa despreparada é necessariamente de bem. E que os outros, mais preparados, são maquiavélicos e mal intencionados. Esse é um capital formidável para o Lula. Mas já pensou se todos os pobres chorassem como ele? Com reações com essa, ele passa uma idéia de uma pessoa pura. A questão é que, olhando objetivamente, ele é uma raposa política de primeira linha. Tem uma visão conspiratória do mundo, que cala fundo no imaginário popular e na esquerda maniqueísta.

A senhora vê uma tendência dos políticos de se apropriarem privadamente do que é público?

CELINA: Essa vocação está nas origens do país. O novo é a forma como isso foi feito, de forma escancarada, pelas lideranças do partido que está no poder. A impunidade de que esse grupo presumia usufruir é que é inédita.

A imagem do Judiciário também muda, a partir dessa decisão?

CELINA: O Judiciário é vítima de uma grande descrença na sociedade. Como esse julgamento, o Judiciário mostra que agora está entrando no clima da Nova República, que está saindo do Olimpo. A Justiça está mais atenta para o fato de que o país precisa de respostas rápidas. Só por ter aceitado a denúncia ainda no governo Lula, o Judiciário mostra que está se adequando à ordem democrática. A sociedade não aceita mais lixo embaixo dos tapetes.