Título: Diploma é passaporte social
Autor: Almeida, Cássia e Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 30/08/2007, Economia, p. 25

RETRATOS DO BRASIL/POF

Educação eleva renda familiar. Gasto com saúde de pobres e ricos demonstra desigualdade.

Diploma na família pode mais que quadruplicar as despesas da casa, enquanto os gastos com saúde desmascaram, mais uma vez, a desigualdade reinante na sociedade brasileira. Maior levantamento sobre as despesas e os hábitos de consumo dos brasileiros, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), de 2002/2003, apresentada ontem pelo IBGE após novos cruzamentos de dados, revelou o peso que a educação tem sobre os ganhos dos brasileiros e como ela ainda é restrita: em 84% dos domicílios no país, não há uma pessoa com diploma universitário. O nível superior faz a despesa familiar (uma aproximação do rendimento) subir 190% se houver apenas uma pessoa formada na casa e até 430%, com dois indivíduos.

- Além de haver pouca gente no Brasil com nível superior, há um componente cultural. A divisão por classe social é muito forte no país. Os formados se agrupam na mesma família. É um efeito econômico muito forte - afirma Sergei Soares, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Mais estudo, mais gasto com instrução

Ele vai mais longe e afirma que essa maneira de formar as famílias intensifica uma das piores mazelas brasileiras, a concentração de renda:

- Na Europa, uma PhD casa com um carpinteiro. Isso ameniza os efeitos da concentração no mercado de trabalho. Aqui, isso não acontece, o que acaba acirrando esse viés no Brasil.

O investimento em educação só faz aumentar a renda da família, como se pode perceber na casa dos corretores de imóveis Ronaldo e sua mulher, Jesus Machado. Os dois têm mais de 11 anos de estudo, mas não concluíram o curso superior. Os filhos de 26 e 25 anos já estão com o diploma na mão. O rendimento familiar supera o dos que não têm diploma, mas os pais ainda ajudam os filhos.

- As oportunidades para os jovens são pequenas, diminuem a cada dia. Mesmo depois de formados, continuamos investindo em suas carreiras, porque eles ainda não têm como se manter - diz Machado.

O casal ainda gasta R$1.400 por mês com a educação dos filhos. É um investimento com retorno garantido, na opinião do economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo o estudioso de temas sociais, dos 2,9 milhões de brasileiros na universidade, 1,7 milhão paga pelo próprio estudo. E a faculdade privada custa, por mês, R$324 - quase o dobro do que se paga pelo ensino fundamental (R$167).

- Educação e renda estão intimamente relacionados. Quem tem mais educação tem renda maior. E, por isso, gasta mais - resumiu o economista.

Segundo Soares, do Ipea, a quantidade de pessoas com diploma no Brasil gira em torno de 10%, apesar da expansão recente no número de universitários. Nos Estados Unidos, segundo o economista, metade da população tem curso superior:

- O problema no Brasil é que a universidade pública é de qualidade, mas não tem cobertura suficiente. Já as privadas têm cobertura, porém são muito ruins.

Mais instrução, mais gastos e, conseqüentemente, destinação maior da renda para a educação. Nas famílias nas quais ninguém tem curso superior, o gasto com educação representa uma fatia de 1,3% do orçamento. Nas casas com uma pessoa formada, pelo menos, o gasto sobe para 5%. Quando há mais de uma, 6,5%.

Não é apenas o diploma que aumenta o gasto e o rendimento familiar. A cada ano de estudo acrescido, a despesa aumenta gradativamente. Quando o chefe da família tem menos de um ano de estudo, os gastos totais da casa são de R$769,23, enquanto os chefes que têm mais 11 anos de estudo gastam R$3.683,02, ou seja, 400% mais.

Quando o assunto é saúde, que consome 6,49%, em média, das despesas da casa, os 40% mais pobres destinam quase metade dos gastos que têm essa finalidade à compra de medicamentos. Enquanto isso, os 10% mais ricos reservam essa parcela dos gastos em grande parte para o plano de saúde. A diferença dos gastos entre essas faixas de renda chega a 581%. Os mais pobres destinavam à saúde R$63,49 em 2003, contra R$432,67 dos 10% mais ricos. Para Lilibeth Cardoso, socióloga e técnica do IBGE responsável por essa parte da pesquisa, os dados da POF indicam que as camadas mais pobres da população são carentes de oferta de serviços públicos de saúde e tratamentos de maior complexidade:

- A desigualdade de renda tem impactos na qualidade vida dos brasileiros. Os gastos dos mais pobres com remédios indicam que essa população se automedica, adoece mais e não tem acesso a diagnose e prevenção, o que também explica uma maior hospitalização. O pobre fica à mercê da renda, que ele não tem.

Pobre gasta muito com remédios

Pela pesquisa, os medicamentos representaram 76% dos gastos com saúde nas famílias com rendimentos até R$400 e nas famílias mais ricas, 23,7%. A empregada doméstica Ana Maria Tavares Schwenk sabe bem o peso que os remédios têm no seu orçamento. Dos R$700 que ganha por mês, R$120 vão direto para a farmácia, para os laboratórios e consultórios médicos, ou seja, 25% dos ganhos mensais. A família de quatro pessoas - são dois filhos - não tem plano de saúde.

- São R$50 para medicamentos (analgésicos, xaropes), os outros R$70 são gastos em exames e consultas para minha filha mais velha, que está grávida - explica Ana.