Título: Dez anos antes, Brasil reduz pobreza à metade
Autor: Doca, Geralda e Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 30/08/2007, Economia, p. 29

RETRATOS DO BRASIL/METAS DO MILÊNIO: Desigualdade de renda entre ricos e pobres também diminuiu, aponta a ONU.

Entre 1990 e 2005, 4,7 milhões de brasileiros que ganhavam até R$40 mensais deixaram a situação de miséria.

BRASÍLIA. O Brasil atingiu com dez anos de antecedência a primeira e mais importante das oito Metas do Milênio: reduziu à metade o número de cidadãos que vivem em pobreza extrema (menos de R$40 per capita por mês). Entre 1990 e 2005, deixaram a miséria, que acompanha a fome, 4,7 milhões de brasileiros, diminuindo de 8,8% para 4,2% a parcela da população vivendo em absoluta precariedade. O pacto assinado por 191 países - na virada da última década, no âmbito das Nações Unidas - estabelece que a meta deve ser cumprida em 2015.

Outro avanço citado no terceiro relatório de prestação de contas do governo federal é a melhora na distribuição de renda, quebrando um padrão brasileiro de décadas, afirma Marcelo Medeiros, do Centro Internacional de Pobreza da ONU. A parcela apropriada pelos 20% mais pobres aumentou de 2,3% para 2,9% em 2005, enquanto a fatia dos 25% mais ricos caiu de 64% para 61%.

- Tão importante quanto a redução da pobreza é a queda da desigualdade, principalmente nos últimos três anos. É um dado novo relevante. Não significa, porém, que o Brasil resolveu o problema, pois continua sendo um dos países mais desiguais - disse o coordenador do relatório, Luiz Fernando Lara Rezende, do Ipea.

- A renda dos mais pobres está crescendo proporcionalmente mais do que a renda dos mais ricos, o que aponta a queda da desigualdade, o maior desafio do nosso governo e a síntese de desenvolvimento sustentável com distribuição de renda - afirmou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Avanço ainda está longe de ser igualitário

O país ainda não cumpriu, porém, o objetivo que o próprio governo brasileiro se impôs: reduzir a um quarto a pobreza. Para isso, a parcela de brasileiros vivendo na miséria, que era de 8,8% em 1990, terá que cair para 2,2% em 2015 (hoje está em 4,2%). E, apesar da melhora na distribuição de renda, há enormes disparidades entre regiões, gêneros e raças. É preciso, ainda, que a saída da pobreza seja acompanhada de melhoria em educação, saúde, saneamento, habitação e trabalho.

Em 2005, os brancos representavam, por exemplo, 88,4% do topo da pirâmide social brasileira e apenas 26,5% do décimo mais pobre.

- Sexo, cor, etnia e local de nascimento de uma criança brasileira ainda determinam em grande parte suas oportunidades futuras. Não há dúvidas de que o maior desafio do país, nos próximos anos, será transformar a meta em uma realidade para todas e todos - disse Kim Bolduc, coordenadora do Sistema das Nações Unidas no Brasil.

Algumas medidas traçam o perfil das diferenças. Por exemplo, a proporção de moradores do campo abaixo da linha da pobreza superava, em 2005, em 7,9 pontos percentuais a população em igual situação nas cidades. E o número de miseráveis no Nordeste é quase cinco vezes maior do que no Sudeste.

Aumento de salário mínimo e Bolsa Família ajudaram

Reni Pereira de Oliveira, 40 anos, casada com um ajudante de pedreiro que recebe R$380 mensais e mãe de sete filhos, é um exemplo de como sair da miséria tem efeitos positivos, mas não resolve tudo. Há sete meses, ela foi incluída no Bolsa Família e passou a receber R$120 por dois filhos. Com isso, sua família deixou a linha da pobreza extrema, ao elevar a renda per capita para R$55 por mês.

O relatório diz que o Plano Real foi importante para reduzir a pobreza em meados dos anos 90, mas não foi suficiente para manter essa queda ao longo do tempo. Isso só foi possível, posteriormente, por aumentos do salário mínimo acima da inflação (que se refletem também no valor dos benefícios da Previdência), programa de transferência de renda voltado a deficientes e idosos pobres e expansão do Bolsa Família.

Para o chefe de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Neri, apesar de o parâmetro usado pelas Nações Unidas (R$40) ser muito baixo, a redução da pobreza pela metade é louvável. Ele destacou que a tendência de queda continuou devido ao crescimento e à geração de empregos, além da expansão do Bolsa Família.

- Os dados de hoje (2007) são melhores, seguramente - disse Neri, citando o desafio de investir mais em educação.

Contido diante de dados positivos numa área que lhe é cara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, na cerimônia de divulgação do documento, que pode não cumprir todas as Metas do Milênio até o fim de seu governo (2010), mas garantiu avanços. Ele convocou governadores, prefeitos e sociedade civil à "boa cumplicidade" para que o país se antecipe. E destacou que, sem parceria, não é possível ampliar o Bolsa Família ou erradicar o analfabetismo.

- Não vejo as Metas do Milênio como obstáculo, mas estímulo - disse Lula, criticando a pulverização de recursos em três esferas de governo.

Lula prometeu ainda atenção especial às mulheres, as quais, brincou, não podem mais ser consideradas o "sexo fraco":

- Vamos fazer não por causa das Metas do Milênio, mas porque é uma necessidade histórica criar seres humanos iguais e não torná-los diferentes por causa do sapato ou da roupa.

COLABOROU Luiza Damé