Título: ONU exige que Brasil tire invasor de área indígena
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Globo, 18/08/2007, Nacional, p. A4

Entidade atende a pedido de diversos grupos e cobra solução ¿urgente¿ para reserva Raposa Serra do Sol.

O País acaba de sofrer um revés na Organização das Nações Unidas (ONU). A entidade aceitou apelo feito por grupos indígenas e passou a exigir que o governo brasileiro garanta a retirada dos ocupantes da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. De acordo com o Comitê de Combate ao Racismo da ONU, ao qual os índios recorreram, o assunto deve ser classificado como ¿urgente¿.

Até ontem não existia nenhuma declaração oficial sobre a questão, que é considerada confidencial dentro das Nações Unidas. Mas o Estado soube com exclusividade da decisão, por meio de declarações de funcionários da entidade.

O governo brasileiro respondeu que a desocupação da área de 1,7 milhão de hectares está sendo providenciada - e que a maior parte da população não-indígena já foi retirada do território destinado aos índios. Ao mesmo tempo, porém, os representantes brasileiros irritaram os peritos da ONU ao questionar o caráter de urgência que deram ao tema.

Homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2005, a reserva Raposa Serra do Sol foi festejada na época como a mais notável intervenção de seu governo a favor dos índios. O ato beneficiaria cerca de 18,7 mil índios, dos povos patamona, uapixana, taurepangue, macuxi e ingaricó.

O problema é que sete grandes empresas agropecuárias, dedicadas sobretudo à produção de arroz, insistem em permanecer no local e prometem resistir às pressões do governo para que saiam. Os representantes dessas empresas familiares, apoiados por políticos de Roraima, entre os quais o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), querem a renegociação da demarcação da terra indígena. Propõem que seja destinada uma fatia dela aos arrozeiros.

Uma ação foi iniciada no Supremo Tribunal Federal (STF)há um ano, alegando que a homologação das terras foi irregular. Por meio de mandado de segurança, os fazendeiros obtiveram liminar garantindo sua permanência, mas ela foi derrubada em junho deste ano. Segundo o STF, o mandado de segurança não era o caminho adequado.

PROMESSAS

A decisão da ONU agradou aos representantes indígenas de Roraima. Mas eles estão descrentes quanto à possibilidade uma ação imediata do governo. Em fevereiro, eles ouviram a promessa de que no máximo em 60 dias os arrozeiros seriam retirados. Dias atrás, o governo assumiu novo compromisso: os fazendeiros devem ser retirados até o início de setembro.

¿São tantas promessas não cumpridas que não acreditamos em mais nada¿, disse ontem ao Estado o vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Terêncio Salomão Manduca. ¿Vivemos sob permanente tensão. Há pouco tempo tentamos construir um centro comunitário e ele foi destruído. Pusemos faixas na entrada de reserva, cobrando ações do governo, mas elas foram queimadas.¿

Foi por causa da inoperância do governo, segundo Terêncio, que as organizações indígenas foram ao exterior. Além da ONU, elas também apresentaram denúncias à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que ainda analisa o caso.

A reserva fica ao norte de Roraima, na fronteira com a Venezuela e a Guiana. O debate sobre sua demarcação demorou cerca de 15 anos e até hoje persiste em algumas áreas. Recentemente, o governador do Estado, Ottomar Pinto (PTB), contestou os laudos antropológicos feitos antes da homologação, afirmando que eles não servem para garantir o domínio das terras pelos indígenas.

AUDIÊNCIA

Diante das denúncias que recebeu, a ONU convocou o Brasil para uma audiência, realizada em duas etapas, no dia 29 de julho e na terça-feira passada. O Itamaraty explicou que o processo ficou paralisado até meados deste ano por causa da ação judicial, mas agora poderia avançar, pois o Supremo derrubou a liminar que mantinha os produtores na área da reserva. A diplomacia brasileira negou qualquer negligência do governo e estranhou o fato de a ONU dar caráter de urgência ao assunto.

A atitude não foi bem vista pelas Nações Unidas, que pode determinar de forma independente quais temas devem ser considerados urgentes. Segundo a conclusão da ONU, o governo precisa agir, providenciando a desocupação das terras.

Segundo os assessores da entidade, a situação continuará sendo analisada e monitorada até que o governo adote atitudes que favoreçam a ocupação da área pelos índios. Essa é uma forma de pressionar Brasília.

¿Fomos ao exterior porque não conseguimos ser ouvidos por aqui¿, diz Terêncio. Nesse trabalho, os índios contaram com o apoio de organizações não-governamentais no Brasil e no exterior. Entre elas, o Instituto de Direito e Política Indígena da Universidade do Arizona - uma entidade que reúne professores e estudantes interessados na questão indígena.