Título: A Câmara Alta vai ao chão
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 31/08/2007, O Globo, p. 2

O resultado do julgamento do STF produziu a crença de que poderia haver uma saudável reprodução de sua sobriedade e de seu rigor ao apreciar a conduta de agentes da elite política. O que houve ontem no Conselho derrubou em poucas horas essa crença. Os relatores Renato Casagrande e Marisa Serrana, com seus pareceres a favor da cassação do mandato de Renan Calheiros, seguiram o rumo apontado pelo Supremo. Os renanzistas apelaram para a chicana e expoentes da oposição aceitaram a provocação, atravessaram a linha. Até quando o Senado resistirá a isso?

O relatório da dupla de senadores é devastador para a situação de Renan: a par de evidências diversas de atentado ao decoro parlamentar, destaca um delito que o Senado nunca tolerou: a mentira aos pares. Renan teria mentido sobre suas fontes de renda, ao modificar sucessivamente sua narrativa para contestar a acusação da revista "Veja" de que tinha despesas pessoais pagas por um lobista. Não pôde ser votado porque a balbúrdia imperou e os renanzistas apelaram para a proteção com pedidos de vista. Mas, quando for votado, será pelo voto aberto, e a adoção dessa preliminar foi a primeira derrota de Renan, um sinal de que, no Conselho de Ética, suas chances de sair ileso não existem. No plenário, são outros quinhentos.

Ontem, as manobras protelatórias nem ocorreram naquele clima de falsa solenidade típico dos parlamentos, com os atores se tratando por Vossa Excelência em tom de xingamento. Prevaleceu a baixaria mesmo.

O bate-boca entre o senador Tasso Jereissati e o colega Almeida Lima, que brigava para ter seu parecer pró-absolvição também votado, contra o dos outros dois, foi das coisas mais lamentáveis que já se viram no Senado, com insultos machistas deploráveis de um lado e outro. Tasso Jereissati chamou Lima de "palhaço" e "vendido". O outro reagiu, esbravejou, e Tasso o imitou fazendo trejeitos efeminados: "Calma, boneca". Almeida Lima bateu na mesa, acusou a oposição de querer castrar-lhe o direito à palavra e à votação de seu parecer. A turma do deixa-disso evitou que se atracassem. Foi a vez do Arthur Virgílio cair no clima: "Ninguém está querendo castrar Vossa Excelência. Nem no direito à palavra nem de outro modo".

O pedido de vistas do senador Wellington Salgado, cinco minutos após o início da leitura do relatório conjunto da dupla Casagrande e Marisa, foi um acinte ao protocolo parlamentar. Uma confissão de que pedia vistas não para o exame mais detido da peça, como permite o regimento, mas simplesmente para evitar a votação, na expectativa de, com isso, ganhar tempo para evitar a adoção do voto aberto.

O noticiário de hoje dará conta de um festival de atentados ao pudor político e ao decoro. E, como sempre acontece depois das orgias e dos excessos, uma certa depressão baixou sobre a Casa, como resume o líder do DEM, Agripino Maia.

- Com os fatos lamentáveis de hoje, o Senado está se dando conta de sua exaustão. Já fomos ao limite, já estamos perdendo a sobriedade. Por respeito ao país, temos que acabar logo com isso.

Têm mesmo.