Título: Não cometi nenhum crime
Autor: Franco, Bernardo Mello e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 31/08/2007, O País, p. 3

Ministro afirma que não pôs em suspeição decisão do STF de aceitar denúncias.

O ministro Ricardo Lewandowski disse ontem que, em momento algum, quis pôr em suspeição a decisão do tribunal quando, numa conversa telefônica com seu irmão Marcelo, comentou que os colegas tinham votado no caso do mensalão "com a faca no pescoço". Ele não esconde o abatimento e se confessa "acabrunhado e agastado". O ministro contou que eram 5h30m de quinta-feira da semana passada quando um amigo ao telefone o acordou com a notícia de que O GLOBO divulgava conversas por e-mail dele com a ministra Cármen Lúcia. Ontem de novo ele passou o dia dando explicações. Só não procurou o ministro Eros Grau, que estuda processá-lo.

Bernardo Mello Franco e Carolina Brígido

O senhor disse que o STF votou com a faca no pescoço no caso do mensalão?

LEWANDOWSKI: Na verdade, o que quis dizer foi que eu é que estava com a faca no pescoço, e era gelada. Não cometi nenhum crime, nenhuma ilegalidade. Sinceramente me considero vítima de uma invasão de privacidade. As coisas acontecem. Eu podia estar no avião da TAM. É a lei de Murphy. Quando uma coisa tem que dar errado, dá tudo errado. Estou pagando o preço de expressar uma posição jurídica que não refletia os anseios da opinião pública. Não estou sendo bem compreendido das motivações que tive ao pronunciar meu voto. Seria muito mais confortável para mim dizer "acompanho o relator". Não faz parte da minha história. Espero que a imprensa me dê o benefício da dúvida.

O que o senhor quis dizer no e-mail quando afirmou que o voto do ministro Eros Grau significava uma troca?

LEWANDOWSKI: Era uma troca de posição em relação a uma expectativa que tínhamos com relação ao voto. Não era uma troca por uma coisa material.

Na conversa telefônica, o senhor disse que o STF iria "amaciar" para o ex-ministro José Dirceu. O senhor esperava que ele fosse inocentado no julgamento?

LEWANDOWSKI: Acho que não usei essa expressão. Mas imaginei que para o crime de quadrilha não pegaria. Por isso fiquei surpreso.

O senhor foi o único a votar contra a aceitação da denúncia de Dirceu pelo crime de quadrilha. Por quê?

LEWANDOWSKI: Apesar de todo o abalo emocional, me mantive fiel ao que acreditava ser o entendimento da Casa. No julgamento de colegiado, a maioria tem razão. Eu posso ter tido uma visão equivocada.

O senhor pretende procurar Eros Grau para fazer as pazes?

LEWANDOWSKI: Conheço Eros Grau há mais de 30 anos. Nunca coloquei em xeque a honorabilidade dele. Acho que nunca estivemos rompidos.

Mas ele disse que pensa em processar o senhor.

LEWANDOWSKI: Se vier a interpelação, responderei com a maior tranqüilidade. Se ele não ficar satisfeito com o que estou dizendo aqui, o farei novamente por escrito.

O que o senhor quis dizer quando, depois de saber pela ministra Cármen Lúcia qual seria o voto de Eros Grau, respondeu: "Isso só corrobora que houve uma troca"?

LEWANDOWSKI: Foi troca de posição pessoal dele. Não foi uma troca do voto dele por alguma coisa.

O clima ficou pesado entre os ministros após esses episódios?

LEWANDOWSKI: A convivência com pessoas de personalidades distintas não é fácil. Aqui não tem grupos, mas as pessoas têm afinidades entre si. Sou colega da Cármen Lúcia desde os tempos da pós.

O senhor esperava enfrentar essa exposição no STF?

LEWANDOWSKI: A relação custo-benefício é muito desfavorável. A quantidade de trabalho é enorme. A pressão é grande. O juiz não é um popstar e tem que ser preservado. Temos que ter um mínimo de tranqüilidade para trabalhar.

Qual foi seu sentimento quando viu os e-mails divulgados?

LEWANDOWSKI: Entendi naquele momento o significado do sofrimento moral. Entendi o que o jurisdicionado sente quando bate às portas do tribunal para pedir reparação por um dano moral.

Então o senhor vai processar a imprensa pela divulgação?

LEWANDOWSKI: Não. A imprensa tem o direito de trabalhar livremente. Defendo a liberdade de imprensa. Mas esse trabalho tem que respeitar os limites da intimidade. No meu caso não considero que esse limite foi respeitado. Mas... fiquei no prejuízo.

O senhor está desconfortável em relação aos demais colegas? O clima aqui no STF está ruim?

LEWANDOWSKI: Sinto-me extremamente desconfortável, mas não diante de meus colegas. Fui vítima de invasão de privacidade, e lamento o que aconteceu. Algo que não pode acontecer aqui nem com qualquer cidadão. Lamento também....Vamos deixar para lá. Deixa para lá.

O senhor se refere à divulgação de seus e-mails durante a sessão do julgamento?

LEWANDOWSKI: Todos quando conversamos com alguém, baixamos a guarda. Mas essa conversa íntima não pode vir a público. Se não tivermos espaço para essa privacidade, a vida fica muito difícil. Julguei o mensalão sob impacto da divulgação dos e-mails, que considerei ingerência indevida na minha esfera privada.