Título: Supremo nega faca no pescoço
Autor: Franco, Bernardo Mello e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 31/08/2007, O País, p. 3

MENSALEIROS NO TRIBUNAL

Ministros reagem a insinuações de Lewandowski de que votaram sob pressão.

Ojulgamento da denúncia do mensalão deixou de herança um clima cada dia mais pesado entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A tensão foi acentuada ontem e teve novamente como estopim afirmações feitas pelo ministro Ricardo Lewandowski, insinuando que o julgamento que transformou em réus os 40 acusados de envolvimento no mensalão foi influenciado por pressões externas. Praticamente todos os ministros contestaram as afirmações de Lewandowski e, pela terceira vez em duas semanas, a presidente do STF, Ellen Gracie, divulgou nota para tentar preservar a imagem da instituição, defendendo a independência da Corte.

Trechos de um diálogo telefônico do ministro publicado ontem pela "Folha de S.Paulo" mostram Lewandowski supostamente atribuindo o resultado final do julgamento à publicação, pelo GLOBO, de e-mails trocados entre ele e a ministra Cármen Lúcia. Na conversa, no primeiro dia do julgamento, Lewandowski e Cármen Lúcia sugerem que, por trás da escolha do substituto do ministro Sepúlveda Pertence, que pediu aposentadoria, estariam sendo negociados votos de alguns ministros no julgamento.

Na conversa telefônica, Lewandowski teria dito a um interlocutor chamado por ele de Marcelo que colegas do tribunal votaram "com a faca no pescoço" e que "a imprensa acuou o Supremo" ao divulgar os e-mails. Ao telefone, ele menciona, segundo a "Folha", que, se não fosse a divulgação pelo GLOBO da troca de e-mails entre ele e Cármen Lúcia, a decisão do STF teria sido diferente. "Você não tenha dúvida", diz, na conversa telefônica.

Os ministros deixaram claro o desconforto. Ao chegar ao STF para a sessão plenária de ontem, o ministro Carlos Ayres Britto desafiou:

- Está para nascer alguém que coloque uma faca no meu pescoço para decidir alguma coisa. Estão perdendo tempo.

Não houve pressão, diz ministro da Justiça

O ministro Gilmar Mendes afirmou que o tribunal não costuma ceder a pressões da mídia ao tomar decisões importantes.

- Todos os dias julgamos questões extremamente sensíveis do ponto de vista político, e não estamos preocupados com a opinião dos senhores (jornalistas) - disse o ministro, que negou ter votado "com a faca no pescoço". - Puxa vida, o que é isso? Nem agora nem em nenhum outro momento. É uma característica forte do tribunal não ceder a esse tipo de pressão.

Outro a negar ontem com veemência ter votado sob influência externa foi o ministro Eros Grau, cujo voto fora posto sob suspeita na troca de e-mail, semana passada.

- Ninguém ousou (colocar uma faca no meu pescoço), eu sou muito grande. Foi um julgamento histórico, transparente e translúcido. Não há o que questionar. Há mais de cem anos o tribunal decide assim. Cumprimos o nosso dever, só isso - disse Grau.

Com apenas seis linhas, a nota assinada pela presidente do STF diz que o tribunal "não permite nem tolera que pressões externas interfiram em suas decisões" e defende a honorabilidade dos ministros e a independência e transparência dos julgamentos. (A íntegra da nota está na página 4)

O ministro Marco Aurélio de Mello também reagiu a Lewandowski e disse que conversou com o colega:

- Ele estava constrangido, muito aborrecido. Se o que está no jornal for de absoluta procedência, temos um pecadilho lamentável. Se ele se referiu a todos, ele se inclui. Que ele não tenha nos julgado por ele próprio.

Marco Aurélio admitiu que as declarações de Lewandowski podem subsidiar a defesa dos réus no mensalão em recursos para tentar anular o resultado do julgamento:

- Se será um gancho profícuo em termos de insubsistência da decisão é o que nós precisaremos ver posteriormente. Só espero não ter que repetir os cinco dias (de julgamento).

Ayres Britto rebateu as suspeitas levantadas ontem pelo ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, réu do processo do mensalão, sobre a independência dos ministros:

- Não há suspeição alguma. Todos nós decidimos com tranqüilidade.

Durante a sessão de ontem, Lewandowski manteve o semblante fechado, falou pouco e deixou o plenário antes dos colegas. Com receio da aproximação de jornalistas, a segurança do tribunal isolou a entrada dos ministros no STF. Depois, mudou de idéia.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem que os ministros do Supremo não sofreram pressão além do que pode ser considerado normal em casos de grande repercussão.

- Não creio que tenha havido pressão política para condenar ou absolver. Isso é feito pelos advogados. Todo julgamento que tem grande repercussão social sofre efeito daquela opinião que se forma na sociedade, portanto, da opinião pública. O julgador filtra essa pressão, integrado com o dispositivo jurídico que tem que aplicar.

Tarso afirmou que a decisão do STF de abrir ação penal contra 40 acusados honra as tradições do Judiciário.

- Sei que (a decisão) foi independente, foi soberana, foi dentro do estado de direito democrático e honrou as tradições jurídicas do Judiciário, independentemente de que, apurada a culpabilidade ou não de quaisquer dos denunciados, eles sejam depois absolvidos ou condenados - disse.

Para o ministro, a abertura da ação penal contra ex-figuras centrais do partido terá impacto no PT, embora, em sua opinião, não atinja o governo:

- O impacto pode ser uma postura mais defensiva do PT, uma postura de rejeição da denúncia ou de reforço da convicção de que essas pessoas cometeram ilegalidades. Impacto tem, agora não sei qual é.

Tarso disse desejar que o STF julgue a ação antes de 2010, quando será eleito o sucessor do presidente Lula. Segundo ele, imaginar que o julgamento vá demorar mais de três anos é desmerecer o esforço dos ministros:

- Não creio que o julgamento demore tanto. Seria até um desmerecimento ao esforço dos ministros até agora para fazer um processamento rápido do inquérito e fazer a denúncia. Espero que isso não ocorra.

Em meio à confusão, o futuro integrante da Corte, Carlos Alberto Menezes Direito, foi cumprimentar os novos colegas no Salão Branco. Mas se recusou a comentar a nomeação.

O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, disse que o julgamento do STF não foi abordado durante a reunião ministerial, na Granja do Torto. Segundo ele, as palavras atribuídas a Lewandowski são de responsabilidade do ministro.