Título: Pedra na Geni. Mas só nela?
Autor: Braga, Ugo
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2009, Política, p. 4

Membros do Poder Legislativo dão mesmo motivos para achincalhe. Mas não há razão para crer que a corrupção seja vício exclusivo de deputados e senadores

Fui defender o Congresso Nacional e o que ganho em troca? Mais de uma dúzia de cartas de leitores furibundos. Acham que eu sou conivente com a roubalheira. Alguns até sugerem locupletação de minha parte. Conhecidos me abordaram pessoalmente. ¿ Que nada, tem que fechar aquilo ali mesmo, bradou-me um amigo. ¿ Eles não fazem nada por nós, concordou a esposa dele. Estranho. Eu jamais a tinha visto apoiando-o. Eventos inéditos sempre são transcendentais. Ainda mais envolvendo casais.

Uma coisa, porém, é certa. O simples ato de comprar um pão ou um confeito faz com que qualquer brasileiro deposite umas moedinhas a guisa de imposto no cofre do Tesouro Nacional. Todo ano, os congressistas se unem e elaboram o Orçamento Geral da União. Nele, confeccionam um programa de normas para gastar o dinheiro amealhado.

É quando um lugar remoto, como a pequena São José do Egito ¿ onde nasci, no sertão de Pernambuco ¿, tem a chance de receber verbas federais e realizar o que, em tese, chamamos pacto federativo. Por mais etéreo o conceito e mais longínqua a realidade, o fato concreto e inescapável é que o tal pacto existe e precisa ser praticado. É precisamente no Congresso o instituto onde ele acontece.

Essa é apenas uma das muitas atribuições do Legislativo. Mas, sozinha, ela é capaz de justificar sua existência, tamanha sua potência institucional. Isso se quisermos continuar organizados numa república, em que os cidadãos têm direitos iguais, mesmo que uns sejam mais pobres, feios, raquíticos e deseducados do que outros.

Há ainda¿ Outro ponto relevante. Os políticos alocados no parlamento estão mesmo a dar continuamente motivos para achincalhe. Comportam-se como se não precisassem prestar contas a ninguém ¿ erro crasso, visto que o poder é delegado; pertence, de fato, a quem os elegeu ¿ e como se os recursos públicos postos em serviço do mandato pudessem ser usados legitimamente em benefício da fortuna pessoal. Há exceções. Mas são poucas.

Ocorre que congressistas manipulam dinheiros muito menores do que membros do Poder Executivo. Já que o centro da discussão é a moralidade e a probidade, não há razão para crer que a corrupção seja menor naquele do que neste poder. Não se vê, contudo, ninguém sair à rua para defender a extinção da Presidência da República, dos ministérios todos ou a transformação dos palácios presidenciais em museus.

E, para ser sincero, o celular emprestado pelo senador Tião Viana à filha ou os jatinhos fretados pelo senador Tasso Jereissati, ambos pagos com dinheiro público, constituem exemplo potente de cinismo e desfaçatez. Mas não passam de tostões se comparados aos escândalos flagrados no Poder Executivo desde sempre ¿ mensalão, Furnas, Correios, vampiros, sanguessugas, Marka, Banestado, Sudan, Sudene, Banpará, Transbrasil, Encol, precatórios, PC Farias, Dnocs, Ceme, LBA, Coroa-Brastel, Telebrás, Eletrobrás.

A corrupção está presente em todo lugar onda haja setor público. E será tão maior quanto mais setor público houver, para ficar na lógica comezinha. Condenar o Congresso e somente ele é um erro histórico. Não chega a ser incomum. Há quem defenda de boa-fé a idéia do fechamento tópico. Isto é, cassam-se todos os que estão lá e, de pronto, promovem-se eleições purificadoras para prover os cargos com honestos e probos representantes. Como se não fosse o mesmo eleitorado a escolher¿

Um democrata Conheci o deputado Carlos Wilson quando eu era ainda um rapazote. O pai dele, o finado Wilson Campos, era muito amigo do meu pai. Motivo pelo qual compartilhamos almoços e jantares em Brasília e no Recife.

No dia 10 de março de 2007, um sábado, este Correio publicou uma matéria de minha autoria, listando uma série de problemas na Infraero nos anos anteriores ao apagão aéreo, tempo no qual a estatal esteve sob a presidência dele, Cali, como era chamado.

Na terça-feira seguinte, encontrei o deputado no Salão Verde da Câmara. Recebi um largo sorriso. Ele pegou-me pelo braço, chamou-me pelo diminutivo do nome, como fazia há mais de uma década, e cochichou: ¿é o seu trabalho, não precisa ficar sem jeito comigo¿.

Morreu um democrata. Estou triste por ele.