Título: Argentina sob pressão
Autor: Passos, José Meirelles e Figueiredo
Fonte: O Globo, 31/08/2007, Economia, p. 31

Credores apelam a Bird e BID para não concederem empréstimos ao governo Kirchner.

Milhares de credores individuais da Argentina, que não aceitaram a proposta de renegociação apresentada pelo presidente Néstor Kirchner, estão agora pressionando o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a não aprovar empréstimos para aquele país enquanto o seu governo não honrar o pagamento dos US$20 bilhões que lhes deve. O apelo às duas instituições chegou em uma avalanche de e-mails - oito mil, nos últimos cinco dias. A Argentina solicitou um total de US$10 bilhões em créditos.

"Insistimos que vocês usem a sua voz e votem "não" para negar acesso da Argentina a empréstimos até que esse assunto esteja resolvido. Essa posição é de interesse do povo da Argentina, dos países que colocam dinheiro nas instituições multilaterais e dos investidores privados prejudicados pelas ações do governo da Argentina", diz um trecho da carta.

A carta foi preparada pela Força-Tarefa Americana Argentina (ATFA, na sigla em inglês), uma aliança de organizações que representam credores daquele país, e tem sido enviada através do próprio site da entidade. Ela é co-presidida pelo ex-subsecretário de Comércio dos EUA Robert J. Shapiro e pela ex-embaixadora america nas Nações Unidas Nancy Soderberg. Os credores interessados em endossar o texto simplesmente preenchem o espaço reservado para seu nome e seu endereço de e-mail e acionam o mecanismo do envio.

- Por esse motivo sabemos que pouco mais de oito mil credores já despacharam o apelo - disse Mirian Warren, porta-voz da ATFA.

Indicadores do país melhoraram

Ao renegociar a dívida externa de US$80 bilhões, em 2004, o governo argentino ofereceu pagar apenas 27 centavos por cada dólar devido. Não havia outra opção: era pegar ou largar. Metade dos portadores de bônus do país recusou a proposta. Daquele total, US$20 bilhões eram de pequenos investidores de vários países.

No último dia 16, a própria ATFA enviou uma carta ao secretário do Tesouro, Henry Paulson, e à secretária de Estado, Condoleezza Rice, solicitando que ambos utilizassem o seu poder de voto no Bird e no BID - onde os EUA são sócios majoritários - para persuadir a Argentina a pagar os seus credores. Em junho, Paulson enviou um recado a Kirchner.

- Se a Argentina não se inclinar a atender as demandas dos credores poderá enfrentar dificuldades para seus pedidos de novos empréstimos - disse o secretário do Tesouro.

O principal argumento dos credores é o de que a Argentina já está em condições de saldar a dívida, uma vez que acumulou cerca de US$43 bilhões em reservas, além de ter recebido, nos últimos três anos, US$4 bilhões do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, com a compra de bônus argentinos.

Mas o governo Kirchner não parece disposto a ceder em sua decisão de não realizar uma nova operação de renegociação da dívida do país, de forma a resolver o conflito com os credores privados que não aceitaram a oferta em 2004, segundo confirmaram fontes do Ministério da Economia, comandado pelo economista Miguel Peirano, que assumiu o cargo em julho passado após a renúncia da ex-ministra Felisa Miceli.

Depois de ter saldado a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em janeiro de 2006, o governo argentino considera pouco provável que seu conflito com os credores privados prejudique o relacionamento com o Bird e o BID. Semana passada, uma missão do BID esteve no país para discutir créditos pendentes com o secretário de Energia, Daniel Cameron. O governo Kirchner quer acelerar o desembolso de US$600 milhões, destinados à pasta de Cameron.

FMI: Kirchner deve apoiar francês

Paralelamente, a Argentina quer começar a negociar o pacote de empréstimos que será concedido ao país entre 2008 e 2012 que, segundo o governo Kirchner, alcançaria US$7 bilhões. Deste total, cerca de 70% serão destinados a obras de infra-estrutura e energia. Os recursos também são necessários para afastar dúvidas sobre a capacidade do país de cobrir suas necessidades de financiamento, que, para o que resta deste ano, atingem US$2,5 bilhões, e no ano que vem chegarão a US$6 bilhões. Já o Bird tem liberado normalmente seus créditos ao país, que entre 2006 e 2008 somaram cerca de US$3 bilhões.

- O escritório do Bird em Buenos Aires acaba de mudar sua diretoria, por isso o cronograma de créditos a partir de 2009 só deve começar a ser discutido no ano que vem - comentou uma fonte do organismo na capital argentina.

Nas últimas semanas, circularam alguns boatos em Buenos Aires sobre a possibilidade de que um eventual governo da primeira-dama, Cristina Fernández de Kirchner, favorita para a eleição presidencial do próximo dia 28 de outubro, flexibilize a posição do país em relação aos credores privados e também ao FMI, um dos principais inimigos do governo argentino. Kirchner quer chegar a um acordo para saldar a dívida do país com o Clube de Paris, estimada em US$6 bilhões, mas sequer aceita uma participação do FMI nas negociações.

- O acordo com o Clube de Paris não pode, de forma alguma, estar condicionado à opinião e à atuação do FMI - disse, recentemente, o chanceler argentino, Jorge Taiana.

Na próxima segunda-feira, Kirchner receberá a visita do francês Dominique Strauss-Khan, candidato europeu ao comando do Fundo após a saída do espanhol Rodrigo de Rato. Segundo fontes argentinas, Kirchner apoiará a candidatura de Strauss-Khan e condicionará o respaldo argentino a uma profunda reforma do organismo.