Título: Exército reage a livro do governo sobre ditadura
Autor: Jungblut, Cristiane e Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 01/09/2007, O País, p. 16

Em nota, submetida previamente ao ministro Jobim, comandante lembra que Lei de Anistia vale para os dois lados.

BRASÍLIA e RIO. Demorou dois dias para o Exército reagir, com veemência, ao ato realizado quarta-feira no Palácio do Planalto para o lançamento do livro com um balanço dos 11 anos de trabalho da Comissão de Desaparecidos Políticos, marcado por discursos contrários à ditadura. Após se reunir com o Alto Comando do Exército, o comandante da Força, general Enzo Peri, divulgou nota em que afirma que a Lei de Anistia, de 1979, produziu a concórdia de toda a sociedade. Ou seja, vale para os dois lados. E diz que os fatos ocorridos à época têm diferentes interpretações.

Na cerimônia do Planalto chegou-se a dizer que tortura é crime imprescritível. A nota foi apresentada ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, antes de ser divulgada à imprensa. "A Lei da Anistia, por ser parâmetro de conciliação, produziu a indispensável concórdia de toda a sociedade. Até porque fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas. Colocá-la em questão importa em retrocesso à paz e à harmonia nacionais já alcançadas", diz.

O mal-estar foi causado pela conjunção de fatores: o lançamento do livro de forma oficial, dentro do Palácio do Planalto, e patrocinado pelo presidente Lula; o discurso do presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Marcos Antônio Barbosa, que defendeu punição para os militares que praticaram atos de tortura; e o discurso de Jobim, dizendo que qualquer reação ao evento teria resposta.

Ao retornar de sua viagem ao Rio, o ministro Jobim se reuniu com o comandante do Exército em seu gabinete. O ministro concordou com a iniciativa do Exército de divulgar a nota, mas fez algumas alterações no texto. O ministro, segundo assessores, não considerou uma insubordinação, apesar da ameaça que fez na solenidade do Planalto.

Mais cedo, no Rio, Jobim classificou de irrelevantes as críticas dos presidentes dos Clubes Militar, Naval e Aeronáutico, que o acusaram de sair do tom durante o lançamento do livro. Os oficiais da reserva divulgaram uma nota chamando de arroubo a declaração do ministro.

- São absolutamente irrelevantes. A conciliação se faz com o exercício de memória e não com a ocultação da memória. Grande parte dos militares sabe perfeitamente isso. Aqueles que quiserem ficar com os olhos no passado que fiquem. Eles ficarão para trás.

COLABOROU: Flávia Salme, da CBN