Título: Na mesa do Copom
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 01/09/2007, Economia, p. 36

Na próxima reunião do Copom, na semana que vem, haverá dois temas novos na mesa: a crise das subprime, que estourou exatamente entre uma e outra reunião, e um aumento forte da inflação de alimentos no Brasil. Há 40 dias, todos os bancos e consultorias apostavam que a queda na taxa iria continuar. Agora há todo tipo de previsão. Apesar disso, há chance de queda de juros.

O crédito imobiliário nos Estados Unidos é muito maior do que se imagina. É cerca de 70% do PIB do país. O total das dívidas ultrapassa o PIB, e a maior parte é de crédito imobiliário. O tamanho deste mercado explica por que ontem o governo americano entrou em peso no esforço para afastar fantasmas do horizonte. O presidente Bush e o presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Ben Bernanke, deixaram claro que tudo será usado - inclusive subsídio governamental - para garantir que as famílias americanas, e também os mercados mundiais, possam dormir tranqüilos depois de algumas semanas insones.

As bolsas comemoram, mas ainda é cedo. Nos próximos de seis a oito meses, pelo menos US$150 bilhões em hipotecas estarão sendo renegociados em situação pior, com taxas de risco maior. Isso pode provocar novas ondas de inadimplência.

Mas o Brasil até agüentou bem o tranco do pior momento do pânico que se instalou no mercado após quebrarem dois fundos do BNP Paribas. O que preocupa agora é a inflação de alimentos.

Esta semana, a Fundação Getulio Vargas divulgou um IGP-M inesperadamente alto: 0,98%. O Índice de Preços por Atacado de produtos agrícolas atingiu 4%, o pior desde setembro de 2003. Só que, é bom lembrar, naquela época, a inflação anual era de 15%.

O IPCA de agosto só será divulgado na quinta-feira, 6 de setembro, dia seguinte da decisão do Comitê de Política Monetária. Deve vir alto. Bem mais alto que se calculava no começo deste ano. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC- Rio, já vinha alertando sobre a alta dos preços dos alimentos. O gráfico abaixo mostra isso.

- Desde 2003, a inflação dos alimentos no IPCA vinha caindo, até ser negativa, no ano passado. Este ano, minha previsão é de que possa atingir até 9% - disse o professor.

O IPCA-15 registrou 0,42% de alta, acima do que se previa. Mas foi o IGP-M que assustou mais.

- Os preços agrícolas no atacado deram um susto. Na verdade, leite, bovino e trigo já estavam subindo. A novidade foi soja e milho, que também aumentaram mais que o esperado - explica Luiz Roberto Cunha.

Em 12 meses, os alimentos subiram 12,8% no atacado.

O Diário Brasil, boletim eletrônico do Credit Suisse, registra que 74% do aumento do IPA foi obra da elevação de um grupo relativamente pequeno de alimentos: animais e derivados, laranja, tomate, milho, soja e mandioca. O tomate subiu 40% no atacado em agosto. O leite, que já vem subindo, teve alta de 10,6%.

"Se somarmos o IPA agrícola ao grupo alimentação presente no IPA industrial, é possível explicar 1,16 ponto percentual do IPA-M de 1,31% de agosto", diz o texto.

Ou seja, é a comida que está ficando mais cara, e alguns itens, bem mais caros. Há fatores sazonais, mas há outros problemas produzindo o fenômeno.

Um deles, se for considerar apenas a recente alta da soja e do milho, pode ser apenas metodológico, comenta o professor Luiz Roberto. A FGV, que é quem faz a coleta dos dados, usa o preço internacional dessas commodities. Em tempos de turbulência, o preço pode ter sido recolhido num desses dias em que o dólar chegou a mais de R$2,10, o que poderia aumentar muito o valor.

Mas - ainda que confirmado - isso seria apenas parte da explicação. Há também uma inegável pressão do câmbio nesses produtos. Olhando os que mais encareceram: leite, por exemplo, voltou a subir; 10%. Bovinos também: 6,6%. A explicação para o leite, vilão do IGP-M nos últimos tempos, vem de pressão na demanda internacional. Houve uma forte seca na Oceania, maior exportadora do produto para China e Índia, que vêm aumentando seu consumo de lácteos. O leite vive no Brasil crise estrutural: antigas bacias leiteiras deixaram de produzir. Em outros países, também há fatores estruturais.

- Com a maior urbanização na China e na Índia, há uma forte mudança dos hábitos alimentares. Eles estão consumindo mais leite, mais carne - conta o professor da PUC-Rio.

Esta alta da inflação não é generalizada, e o Brasil agüentou bem o pior da crise das subprime. Mas os dois temas juntos pioraram um pouco as expectativas e quebraram a idéia de que a onda boa continuaria ainda por muito tempo.