Título: Chávez vai receber enviado das Farc
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Fonte: O Globo, 01/09/2007, O Mundo, p. 41

Líder venezuelano se reúne com Uribe e anuncia 1º passo como mediador na troca de reféns.

BOGOTÁ

Opresidente da Venezuela, Hugo Chávez, anunciou ontem à noite que vai receber - com a permissão do colega colombiano, Álvaro Uribe - um enviado das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em seu país para estudar a troca de reféns por guerrilheiros presos. A declaração, após uma reunião com Uribe na fazenda de Hato Grande, ao norte de Bogotá, foi o primeiro fruto da visita do presidente venezuelano, que pretende intermediar um acordo de intercâmbio humanitário. Desde cedo, as atenções das famílias de 45 políticos, militares e policiais seqüestrados pelo maior grupo de guerrilha do país se concentravam em Hato Grande. A intermediação de Chávez - um vizinho de posições ideológicas muito diferentes das de Uribe - tornou-se a principal esperança delas para acabar o impasse que cerca o intercâmbio e iniciar um processo de paz há décadas esperado.

Numa entrevista ao lado de Uribe, Chávez disse que recebera na madrugada de ontem uma resposta das Farc sobre sua intermediação. Mais cedo, o embaixador da Venezuela em Bogotá dissera que o presidente venezuelano havia enviado um pedido ao líder das Farc, Manuel Marulanda, para "desbloquear o jogo".

- Não posso adiantar detalhes porque precisamos trabalhar com muita calma e paciência. Deve-se buscar um ponto no qual se abram as portas para a libertação - disse Chávez.

Chávez chegou a Bogotá na manhã de ontem. Com sua tradicional camisa vermelha, saudou com um caloroso abraço o ministro do Exterior colombiano, Fernando Araújo, driblando o protocolo. Apesar da descontração, Chávez tem a delicada tarefa de intermediar as negociações, emperradas diante da exigência das Farc da desmilitarização de uma área em que possam negociar com o governo. Isso, no entanto, é rejeitado por Bogotá, que ainda se lembra dos anos em que o governo Andrés Pastrana liberou áreas inteiras, que passaram a ser controladas pela guerrilha e por paramilitares. As Farc querem ainda a libertação de todos os seus integrantes, inclusive membros extraditados para os EUA.

- É a primeira vez que vejo uma pequena luz no fim do túnel - disse Juan Carlos Lecompte, marido da ex-senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt, seqüestrada em 2002. - Eles (os guerrilheiros) dizem que admiram Chávez. Podem não obedecê-lo, mas pelo menos prestarão atenção.

Pressão internacional por um acordo

Este é o oitavo encontro bilateral entre os dois presidentes e, embora Chávez quisesse limitá-lo à questão dos 46 reféns, Bogotá acabou incluindo outros temas, como o intercâmbio comercial. Trata-se de uma reunião de governantes de correntes ideológicas diferentes, mas, apesar disso, pragmáticos, destacam analistas políticos. Enquanto Uribe é o principal aliado dos Estados Unidos na América do Sul, Chávez se destaca pelo discurso antiamericano. Além disso, Venezuela e Colômbia viveram crises no passado. A mais recente ocorreu em 2005, quando Caracas acusou militares colombianos de invadirem o território venezuelano para prender um guerrilheiro. Na época, vários pontos de comércio e de trânsito foram interrompidos na fronteira entre os dois países.

Bogotá e Caracas, no entanto, têm fortes laços comerciais. Depois dos Estados Unidos, a Venezuela é o segundo maior comprador das exportações colombianas. E enquanto os EUA importam matéria-prima colombiana, a Venezuela adquire manufatura. Além disso, Uribe e Chávez desenvolvem projetos conjuntos, como um gasoduto binacional que ligará La Guajira a Zulia, prestes a entrar em funcionamento.

A visita de Chávez acontece num momento em que Uribe se encontra sob forte pressão internacional para chegar a um acordo com a guerrilha. Mais evidentes foram as ligações do presidente da França, Nicolas Sarkozy, tanto a Chávez quanto a Uribe, manifestando seu apoio à intermediação da Venezuela. Sarkozy tem especial interesse na libertação de Ingrid, que também tem cidadania francesa. Estão envolvidos ainda nos esforços de paz Espanha e Suíça. Mas Chávez contaria ainda com o apoio de países da região, dizem analistas.

Num outro sinal de avanço, o porta-voz das Farc admitiu ao jornal argentino "Clarín" que a troca de reféns por prisioneiros tem que ser em território colombiano, mas que as negociações poderiam ser na Venezuela. Avalia-se que nem só simpatias ideológicas teriam feito as Farc, de esquerda, aceitarem a intermediação de Chávez. Por trás disso estariam questões práticas:

- Chávez pode obter das Farc o que quiser, porque fechando a fronteira pode asfixiá-las, ao interromper a chegada de armas, o tráfico de drogas e as idas e vindas dos guerrilheiros - disse um diplomata europeu.

Hoje de manhã, Chávez deverá entregar à Colômbia 41 paramilitares (também inimigos da guerrilha) presos na Venezuela e acusados de um complô para matá-lo. A entrega seria uma forma de facilitar as gestões de paz.