Título: Ciclo histórico de corte de juros
Autor: Duarte, Patrícia e Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 03/09/2007, Economia, p. 15

Ex-dirigentes do BC apóiam ritmo de redução da Selic, mas economistas e empresas criticam.

Com ou sem pressões do governo, o Comitê de Política Monetária (Copom) chega a setembro completando o mais longo ciclo de política monetária expansiva da história do país. Isso porque a expectativa do mercado é de que o Banco Central (BC) decida esta semana por mais um corte na taxa básica de juros, desta vez de 0,25 ponto percentual, o que a levará a 11,25% ao ano. Serão dois anos de quedas ininterruptas dos juros, com 17 cortes que somaram 8,25 pontos percentuais, reduzindo a Taxa Selic em mais de 40%, sem contar a que deve acontecer agora. Para ex-integrantes do BC, o trabalho foi na dose certa e teve como grande ganho a expansão maior da economia com inflação sob controle. Para a academia e o setor produtivo, o ciclo teve muitos méritos, mas o BC poderia ter aproveitado melhor o bom momento externo para ser mais agressivo, o que teria tido impactos mais positivos sobre a atividade econômica, as contas públicas e o câmbio.

A marca é alcançada em meio ao retorno da tensão pré-Copom, que na próxima quarta-feira anuncia a nova Selic. O governo, como mostrou ontem O GLOBO, vê espaço para a manutenção do corte de 0,5 ponto percentual, que vigorou nos últimos dois encontros, e mandou recados ao BC neste sentido. Porém, a maioria esmagadora dos analistas acredita que a queda será de 0,25 ponto.

O Produto Interno Bruto (PIB) passou de uma expansão de 2,9% em 2005 para quase 5% este ano, enquanto a inflação pelo IPCA saiu de 5,69% para 3,86% (projeção do mercado) em 2007. Conseqüentemente, houve ganhos acima da inflação na renda do trabalhador e os juros cobrados nos empréstimos ao consumidor caíram, em média, 32%. Mas a Selic ainda é uma das maiores taxas de referência do mundo, mantendo os juros dos crediários em patamares astronômicos e, para alguns, ajudando na apreciação do real, afetando exportações.

A avaliação geral de boa parte dos agentes econômicos, no entanto, é de que o BC mais acertou do que errou neste período, e que o ritmo de queda da Selic desde setembro de 2005 foi adequado.

- Existe hoje maior previsibilidade. Neste período, o crescimento econômico veio mais sustentável e o setor produtivo se beneficia - afirma Gustavo Loyola, que presidia o BC quando o Copom foi criado, em 1996.

Werlang viu espaço para cortes maiores

A atuação do BC nestes dois anos também contou com um fator de sorte: o bom momento da economia mundial, com crescimento vigoroso e sem turbulências financeiras. Pesa, ainda, a melhor conjuntura das contas públicas do país, que registra superávits primários - recorde de R$79,578 bilhões entre janeiro e julho - e em conta corrente consecutivos.

- É diferente fazer política monetária com crises como as de 95 (México), 97 (Ásia). Hoje, é mais tranqüilo. O BC está bem informado, muito melhor do que a gente, e por isso acho que o que fez nestes últimos dois anos foi bom - avaliou Gustavo Franco, à frente do BC (1997/98) antes da maxidesvalorização cambial.

O atual economista-chefe para América Latina do ABN Amro, Alexandre Schwartsman, que até o ano passado ocupava a diretoria de Assuntos Internacionais do BC, também defende que o ritmo de queda da Selic pode ser considerado ideal e argumenta que o país está pisando num terreno desconhecido, com juros nunca antes trabalhados. Por isso, a cautela - uma das características mais fortes do BC - é importante.

Mas há vozes destoantes. Sérgio Werlang, executivo do Itaú que também foi diretor do BC, defende que os juros poderiam ter sido cortados com maior velocidade e, assim, o país teria crescido com mais vigor:

- Somente agora o crescimento da economia está num ritmo bom.

O setor produtivo acredita que o governo está colhendo os benefícios de uma política de redução de juros com o novo impulso no crescimento da economia. Segundo o economista Flávio Castelo Branco, coordenador da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), essa situação tem que ser mantida, inclusive com o corte de 0,5 ponto percentual esta semana. Do contrário, se repetirá o erro que ele acredita ter ocorrido no passado:

-- Parte da forte valorização cambial do real é decorrente desta política, pois muitos investidores tomavam recursos lá fora a juros baixos e aplicavam aqui. Isso potencializou os efeitos dos altos saldos de balança comercial e do superávit em conta corrente no câmbio -- disse, referindo-se ao dólar fraco, abaixo dos R$2.

Independentemente do ritmo de corte, a Selic continua bastante elevada e não ajudando tanto o bolso do consumidor. Segundo o próprio BC, as taxas médias de juros para pessoa física caíram 32% desde setembro de 2005, para 47% ao ano. Ou seja, não seguiu o ritmo da taxa básica nestes dois anos.

Além disso, com a taxa elevada, há quem argumente que o câmbio também foi afetado, com a atração de mais capital financeiro de fora, reduzindo a cotação do dólar e atingindo alguns setores exportadores. A maioria dos economistas, porém, acredita que o câmbio sobrevalorizado é conseqüência do vigoroso saldo da balança comercial nos últimos três anos.

De positivo, com os juros nas alturas, argumentam especialistas, vem o controle da inflação que, este ano, deve ficar abaixo dos 4% pelo IPCA - aquém do centro da meta do governo, de 4,50%. Em 2004, por exemplo, o indicador ficou em 7,60%.

No tributos, há reflexos. Mesmo com a queda dos juros, o governo continuou arrecadando mais Imposto de Renda (IR) sobre aplicações financeiras tributadas na fonte, que excluem Bolsa de Valores, por exemplo. De acordo com o tributarista Ilan Gorin, a mordida do Leão deve ficar em R$20 bilhões este ano, mesmo valor de 2005. Para ele, a Selic é tão alta que aumenta a base dos investimentos, que recebem juros sobre juros.