Título: Notas sobre apostas
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 02/09/2007, O Globo, p. 2

Na reunião ministerial de quinta-feira, Lula admitiu ter ficado sem discurso e sem rumo na campanha de 1994 após trombar com o real. Não levara em conta o alto significado da estabilidade para a população: "Devíamos ter dado os parabéns, dizendo que faríamos ainda mais". O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, acha que hoje a oposição comete o mesmo erro de Lula, quando se agarra ao mensalão e às denúncias para atingir o governo, ignorando as mudanças sociais que estariam ocorrendo.

Dizia isso na sexta-feira, a caminho do Congresso, levando o Orçamento de 2008 e o PPA 2008-2011, ambos recheados de metas promissoras. Alguns números foram abafados pelo estrondo da semana, o resultado do julgamento do caso mensalão pelo STF, que reanimou a oposição e deu-lhe a esperança de um trunfo na disputa de 2010: a possibilidade de que o julgamento final ocorra em plena disputa eleitoral, propiciando novas recordações do escândalo e a condenação, se não de todos, pelo menos de boa parte dos indiciados. É difícil imaginar que efeitos eleitorais isso teria, já que o escândalo não impediu a reeleição de Lula. Mas uma coisa é barulho de CPI e do noticiário, outra, uma condenação do Supremo, que só com acolhimento da denúncia contra os 40 e o endosso à tese da formação de quadrilha deixou tontos governo e PT. Carimbo tão forte em plena campanha teria seu peso.

Essa aposta quase exclusiva da oposição na desconstrução moral do governo e do PT, (combinadas com críticas à política econômica, embora ela tenha tão forte raiz tucana), falava Bernardo, envenena o ambiente político e de pouco tem servido à oposição. Assim como não serviu a Lula dizer, em 1994, que o Plano Real tentava "jogar fumaça nos olhos da população".

Agora, diz ele, uma revista estrangeira como "The Economist" "consegue enxerga o que a oposição brasileira não vê". Referia-se à recente reportagem da revista britânica sobre uma nova classe que estaria surgindo no Brasil, incrementando um mercado de consumo de massas. Vai ver é a "nova vanguarda do povo" de que fala Mangabeira Unger.

Na semana estrepitosa, passou meio batido o relatório sobre as Metas do Milênio da ONU, informando do cumprimento antecipado de uma das mais importantes, a redução à metade da população vivendo em pobreza extrema (ganhando menos de um dólar/dia): um índice triste que caiu de 8,8% da população em 1990 para 4,2% em 2005, tirando quase cinco milhões de pessoas da miséria (embora ainda existam outros sete milhões na penúria). Não foi obra só governo Lula, mas iniciada em 1990, logo, de vários governos. Entre 2001 e 2005, informou ainda o relatório, a renda dos 10% mais pobres cresceu a uma taxa anual de 9,2%, enquanto a dos 10% mais ricos caiu 0,4% por ano. O coeficiente de Gini, um dos índices de desigualdade mais utilizados, atingiu 0,566 em 2005, após uma trajetória ascendente a partir de 2001. Até então, oscilava em torno de 0,595, deixando o Brasil entre os mais desiguais do mundo. O Gini vai de 0 a 1, e quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade. A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, divulgada na quarta-feira, trouxe números alentadores e também desalentadores: a renda média dos 40% mais pobres era (2002-2003) de R$758,25 em média; a dos 10% mais ricos, de R$3.875,78. Estes gastam dez vezes mais que os pobres mas eles agora estão comprando o que não compravam e comendo mais a menor preço. Segundo Pesquisa da LatinPanel, as classes D e E (famílias com rendimento médio de até quatro salários mínimos, 39% da população) consumiram 11% mais alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza no primeiro governo Lula. E teriam ampliado sua cesta básica de compras de 21 para 27 itens.

Houve ainda na semana uma discussão entre cientistas sociais, numa reunião no Planalto, sobre o que teria mais participação nas mudanças, os programas sociais, em especial o Bolsa Família, ou os aumentos do salário mínimo. Criticado pelo viés assistencialista, chamado até de bolsa-esmola, o Bolsa Família é defendido pelo governo também como instrumento econômico: o rendimento transferido a famílias hoje na miséria aumentaria o consumo de produtos populares, incentivando a produção e criando um círculo virtuoso de crescimento. Ricardo Paes de Barros, do IPEA, acha que o impacto do programa na redução da pobreza é enorme: "O Bolsa Família vai aonde ninguém estava indo. Cria pela primeira vez um canal direto com a população mais pobre". O professor João Saboia, da UFRJ, destacou o papel do salário mínimo, que atinge mais horizontalmente os pobres.

Tanto o Orçamento de 2008 quanto o PPA projetam mais aumentos para o salário mínimo e mais recursos para a agenda social, a par de investimentos elevados em infra-estrutura, saúde e, sobretudo, educação. São elementos para a oposição levar conta em seus movimentos para fazer valer o rodízio no poder e sua volta ao governo, sem desconsiderar os ilícitos políticos que foram tão severamente repreendidos pelo STF, em sinal de mudança de atitude para com os crimes de elite.