Título: Mercado na contramão do governo
Autor: Barbosa, Flávia e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 02/09/2007, Economia, p. 37

Corte de 0,25 ponto percentual da Selic esta semana é consenso entre analistas.

BRASÍLIA. O mercado vai na contramão do governo, e o setor produtivo faz coro. Para analistas, mais do que a crise internacional, pesará na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana sobre a taxa básica de juros o atual processo inflacionário e o ritmo de expansão da economia brasileiros, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO. É praticamente consenso no mercado que o Banco Central (BC) reduzirá a Selic em 0,25 ponto percentual, para 11,25% ao ano, reduzindo o ritmo dos dois últimos encontros, quando fez cortes de 0,5 ponto.

Segundo o economista-chefe para América Latina do ABN Amro, Alexandre Schwartsman, a expansão da atividade produtiva tende a se acelerar mais neste fim de ano, refletindo dois anos de queda consecutiva da Selic:

- Ainda estamos sentindo as reduções (da Selic) de 2006, e as feitas até agora vão refletir até 2009.

Schwartsman, ex-diretor do BC, projeta o crescimento do PIB este ano em 4,5%, mas deve revisá-lo para cima. A estimativa do BC, por enquanto, é de 4,7%.

Com o consumo crescendo, há chance maior de pressão nos preços. Pesa ainda, avaliam os especialistas, o recente comportamento da inflação. O IPCA-15, por exemplo, foi de 0,42% em agosto, muito acima dos 0,24% de julho e da expectativa do mercado, que era de, no máximo, 0,34%. A pressão vem de alimentos, sobretudo leite, como reflexo do comportamento mundial das commodities.

Há semanas o mercado revisa para cima a previsão de inflação. Segundo a última pesquisa Focus do BC, a estimativa média era de que o IPCA fechasse o ano em 3,86%, já bastante acima das indicações levantadas um mês antes, de 3,72%. Como os percentuais estão abaixo do centro da meta do governo para o período (4,5%), o Copom ainda tem folga para cortar juros.

Com a pressão dos preços, há quem aposte que o BC pode voltar a elevar os juros ainda este ano. O economista da FEA-USP Fábio Kanczuc acredita que já seria hora de encerrar a política expansiva:

- A Selic vai cair na próxima reunião só porque os movimentos não podem ser bruscos, senão assustam o mercado - diz Kanczuc, para quem a economia está muito aquecida e o país poderá sofrer com gargalos de infra-estrutura.

A crise financeira internacional não é vista como fator preponderante para balizar decisões do BC. Mas, na avaliação do diretor do Itaú Sérgio Werlang, não se pode desprezá-la por completo. Isso porque, argumenta, as turbulências, se persistirem por muito tempo, podem fazer o dólar mudar de patamar definitivamente para mais de R$2, com impacto na inflação:

- Agora, se o BC parar de cortar juros, vai ser uma surpresa, porque os preços estão bem controlados.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acredita, inclusive, que não há motivos para reduzir o ritmo do corte.

-- Mesmo com as recentes informações de que a inflação voltou a subir um pouco, ela está muito aquém da meta. Por outro lado, o crescimento da meta do governo em 2008, de 5%, ainda não está nas previsões dos economistas - diz o coordenador da Unidade de Política Econômica da entidade, Flávio Castelo Branco.

O professor da Unicamp Júlio Sérgio Gomes de Almeida admite que o cenário externo e a inflação são incertezas. Mas, como o Brasil está sendo pouco afetado pelas turbulências, diz, e não há indicativos concretos de que a alta da inflação se manterá, o melhor é dar continuidade à política de corte de 0,5 ponto.