Título: Lula gostaria de ver corte de 0,5 ponto nos juros
Autor: Barbosa, Flávia e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 02/09/2007, Economia, p. 37

Sob influência de Mantega e Dilma, presidente estaria disposto a cobrar de Meirelles se o BC for conservador.

BRASÍLIA. A famosa tensão pré-Copom, às vésperas da reunião dos dias 4 e 5 de setembro, está de volta à Esplanada dos Ministérios. Em meio às apostas de que o Banco Central (BC) vai reduzir o ritmo de queda da taxa Selic e às especulações de que uma parada técnica pode ocorrer - por causa da turbulência que por 15 dias chacoalhou os mercados financeiros e a explosão dos índices de inflação em agosto - a equipe econômica e o Palácio do Planalto avaliam em uníssono que é hora de a autoridade monetária pôr seu conservadorismo de lado e manter o corte de 0,5 ponto que prevaleceu nas duas últimas reuniões. A taxa está hoje em 11,5% ao ano.

Dois são os objetivos que ministros e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enxergam para manter a posição: sinalizar que realmente o Brasil está sólido para enfrentar abalos e chancelar os investimentos que estão sendo feitos e programados pelo setor produtivo.

- Se o BC reduzir o ritmo da queda de juros, terá que explicar para a gente o que eles sabem que nós não sabemos - afirmou ao GLOBO o ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia.

Ele lembra que os bancos brasileiros não foram afetados pela crise dos créditos de alto risco (subprime) americanos e que é um mito que a inflação se aproxima do descontrole.

- O objetivo do Copom é manter a inflação dentro da meta e para isso tem como instrumento a taxa de juros. Mas a inflação está rigorosamente controlada. Por isso, nada justifica diminuir o ritmo da queda de juros - disse Walfrido.

Preço de alimentos tem subido mas não seria ameaça

O ministro de Relações Institucionais expressa publicamente o que é avaliação corrente nos ministérios econômicos e já chegou aos ouvidos de Henrique Meirelles, presidente do BC, ao qual o Palácio do Planalto já mandou recados de que espera que a tendência seja mantida. Segundo interlocutores, no auge da crise, na primeira quinzena de agosto, Lula estava disposto a aceitar as decisões de Meirelles. Mas, com a mudança no quadro, ele voltou a ouvir os "desenvolvimentistas" e está disposto a cobrar do presidente do BC argumentos concretos que justifiquem uma mudança na postura do Copom.

Nestes círculos, acredita-se que, mesmo com os preços dos alimentos subindo 4% no atacado, o IPCA-15 e o IGP-M de agosto tendo ficado acima das mais pessimistas projeções e havendo uma alta nas previsões do IPCA em 12 meses, esses movimentos são passageiros. Portanto, não desviam a inflação da meta, cujo centro é 4,5% em 2007 e 2008, "com margem de dois pontos percentuais para baixo e para cima", ressalta um interlocutor, remetendo à briga da definição das metas, pois nos últimos anos o BC mirou, na prática, num alvo de 4%.

Miguel Jorge aposta em corte de 0,25 ponto

Afirma-se ainda em diversos gabinetes que o dólar não sustentará tendência altista - evitando o chamado pass-through (contaminação) - e que o aumento dos preços das commodities agrícolas e metálicas será passageiro. Também o segmento de serviços não deve ser tratado como pressão, pois estaria estruturalmente mudando o patamar de preços como reflexo do aumento contínuo da renda dos brasileiros.

Contra a avaliação de que não se pode cravar esses rumos para a inflação quando a economia está em expansão acelerada, os gabinetes têm outra resposta: as empresas estão investindo em máquinas e equipamentos, e a indústria ainda tem capacidade ociosa suficiente para absorver o aumento da demanda, evitando inflação de oferta. Resumindo: não haveria razão técnica para reduzir o ritmo, a não ser o excesso de cautela dos diretores do BC.

Por esse pensamento, a autoridade monetária estaria "procurando cabelo em ovo" e só estaria evitando "não ratificar as expectativas do mercado", que há mais de três meses aposta em redução de 0,25 ponto no próximo encontro, para não criar ruídos na comunicação, o que alguns ministros acham questionável. Uma interrupção da queda, então, causa arrepios.

- Seria um desastre, pois teria um efeito danoso na expectativa do setor produtivo - diz um ministro.

O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, tem dito a interlocutores que é provável a redução do ritmo de queda, para 0,25 ponto. Para ele, nesse caso o BC estaria dando um sinal ruim aos agentes econômicos -- o de que encara a crise como mais grave do que os indicadores apontam.

Em conversas reservadas, o próprio presidente Lula já sondou Meirelles. Lula foi convencido pelos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil) de que a crise americana já está sob controle e não deveria afetar a decisão do Copom.

Mantega reforçou que o momento da economia brasileira era muito bom e não haveria motivos para mudanças na tendência da taxa de juros.

- Estamos blindados- afirma o ministro das Relações Institucionais. - Essa crise não nos atinge. Ela não chegou à economia real. Nosso superávit (cambial) chega a US$200 milhões por dia.