Título: Brasil vai mudar estratégia para conter déficit com a China
Autor: Scofield Jr. Gilberto
Fonte: O Globo, 08/09/2007, Economia, p. 24

Governo quer vincular regulamentação que reconhece o país asiático como economia de mercado ao aumento das importações chinesas de carnes e aeronaves brasileiras.

PEQUIM. Diante do crescimento de 51% das importações brasileiras provenientes da China este ano e do déficit comercial acumulado com aquele país de US$198,8 milhões até julho de 2007, o governo brasileiro decidiu abandonar a estratégia de fazer concessões comerciais na esperança de obter contrapartidas chinesas. Resolveu, também, vincular a regulamentação do reconhecimento da China como economia de mercado - fixado num acordo entre os países em 2004 - ao avanço, no curto prazo, das compras chinesas de carne bovina, suína e de aviões fabricados no Brasil.

Segundo o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Ivan Ramalho - que evitou usar a palavra "condicionamento" - a regulamentação, cobrada pelos chineses, vai depender de o país cumprir três promessas: iniciar de imediato a importação de carnes bovina e suína, elevar a compra de aviões da Embraer e se empenhar mais nos investimentos em infra-estrutura no Brasil, especialmente em ferrovias e portos.

- Os chineses cobraram a regulamentação, e nós, então, mostramos que há um crescente desequilíbrio comercial entre os dois países, com as exportações brasileiras para a China aumentando 28%, e as importações subindo 51%. Argumentamos que, se a China deseja que esta relação seja mais equilibrada no curto prazo, o país tem que começar logo a comprar o que precisa e o que nós temos a oferecer, ou seja, carnes e aviões. Foram promessas feitas pela China em documento assinado pelo presidente do país. - disse Ramalho.

Autoridades voltam a se encontrar em novembro

A resposta chinesa foi diplomática. Seu vice-ministro de Comércio, Gao Hucheng, se comprometeu pessoalmente a fazer as reivindicações do Brasil caminharem, especialmente na questão da importação de carnes brasileiras. Hucheng ainda acertou um novo encontro em novembro, no Brasil, entre autoridades chinesas e brasileiras. O objetivo é resolver a pendência dos têxteis, mas também será discutida a questão do reconhecimento de mercado.

O Brasil reconheceu a China como economia de mercado no memorando de entendimento assinado entre o presidente Lula e o presidente chinês, Hu Jintao, em 2004. Na época, muitos economistas, empresários e políticos enxergaram na ação diplomática um perigo para a base industrial do país. Temia-se uma inundação de produtos chineses baratos, sem que o Brasil tivesse poder para barrar a concorrência desleal em processos antidumping no país ou na OMC.

No entanto, para valer de fato nas disputas comerciais entre os países, o reconhecimento ainda depende de regulamentação, por ato administrativo, da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

- Não é verdade que o reconhecimento da China como economia de mercado feito pelo Brasil é o maior responsável pelo aumento nas importações daquele país, como muitos dizem - afirma Ramalho. - O fato é que a China possui uma indústria muito competitiva e os produtores brasileiros estão substituindo fornecedores de outros países por empresas chinesas. Mas há problemas pontuais, e estamos investigando se há comércio desleal no caso de alguns produtos chineses.

Por sua vez, algumas promessas feitas pela China na assinatura do memorando de entendimento também pouco caminharam, especialmente a compra de carnes brasileiras, empacadas no processo de habilitação dos frigoríficos que já deveriam estar exportando para os chineses.

Potencial de venda de carnes é de US$350 milhões por ano

Segundo Ramalho, nova missão de técnicos da China desembarca no Brasil na próxima semana para certificar os frigoríficos. Há um potencial de venda para o país de US$350 milhões anuais, valor semelhante ao que será vendido para a Rússia este ano.

No caso da Embraer, a situação é menos dramática pois a China fez, ano passado, uma encomenda de cem aviões à empresa (50% produzidos no Brasil e 50% na joint-venture de Harbin, na China). Ainda assim, o volume de encomendas está bem abaixo do previsto pela Embraer e da demanda do próprio governo chinês, que prevê a necessidade de compra de mais 630 jatos regionais nos próximos 20 anos.