Título: Gargalo das águas
Autor: Batista, Henrique Gomes e Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 09/09/2007, Economia, p. 29

POTENCIAL DESPERDIÇADO

País usa só 5% dos rios para navegação comercial. Custo de empresas é até 60% maior.

Com uma infra-estrutura logística deficiente, o Brasil desperdiça o meio de transporte mais barato e ecológico que existe. Dos 55 mil km de rios disponíveis para navegação comercial no país - com trechos mínimos de 300 km - apenas 2,9 mil km estão prontos para uso em potencialidade máxima, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Só trechos dos rios Amazonas e Madeira, ou 5,3% da malha hidroviária, não precisam de obra, adequação ou sinalização para uso. O descaso nessa área faz com que o setor produtivo gaste até 60% mais para transportar cargas. Uma medida dessa situação é o fato de não existir um único levantamento completo sobre as potencialidades da malha hidroviária nacional.

Há casos de sucesso, como o escoamento da soja produzida no Mato Grosso e exportada pela hidrovia do Madeira, a um custo 58,5% menor do que por caminhão, até os portos paulistas e paranaenses. Mas essa não é a realidade da maioria dos produtores. E com a falta das hidrovias, as estradas brasileiras ficam lotadas. São 4,8 milhões de viagens de caminhões com até 30 toneladas cada por ano. A opção pelas rodovias eleva gastos com combustível e polui o ambiente.

- O Brasil precisa descobrir logo as hidrovias, senão perderá competitividade. É mais urgente ainda agora, que o dólar não é tão favorável à exportação - disse o superintendente da Navegação Interior da Antaq, Alex Oliva.

Produção regional incentiva uso

A Antaq e o Ministério dos Transportes lembram que as hidrovias foram deixadas de lado no Brasil por questões como a elevada inflação (que impedia o transporte de cargas por um meio mais lento que os demais), a falta de investimentos em infra-estrutura nas últimas duas décadas e problemas ambientais. Quando o país voltou a investir em transportes, foram privilegiadas as emergências rodoviárias e ferroviárias. Falta de vontade política também foi - e continua sendo - um fator de atraso.

- Além disso, a produção econômica era concentrada no Sudeste, que possui outras formas de transporte. Só agora outras regiões do país estão tendo participação mais efetiva na produção nacional - afirmou Paulo Sérgio Passos, secretário-executivo dos Transportes.

A falta de uma eclusa (elevador aquático) orçada em apenas R$50 milhões no Rio Parnaíba, na divisa entre Piauí e Maranhão, impede que o Sul dos dois estados, a região mais pobre do país, desenvolva a produção de etanol.

Já a ausência de três eclusas abaixo no mesmo rio, na divisa de Minas Gerais com Goiás, impede que a Hidrovia Tietê-Paraná avance 250 km até a região que está na fronteira da expansão agropecuária brasileira - que vai bater novo recorde de safra - e que sofre problemas de logística. Mesmo em São Paulo essa hidrovia também enfrenta entraves sérios, como pontes com pilares no meio do Tietê, o que impede seu uso efetivo, por exemplo, para o transporte de contêineres.

O Sindicato dos Armadores de Navegação Fluvial do Estado de São Paulo (Sindasp) estima em R$200 milhões os investimentos necessários para eliminar problemas do trecho paulista da Tietê-Paraná e ampliar sua capacidade de transporte de 2,6 milhões para 5,5 milhões de toneladas anuais só de grãos, cana e açúcar. O presidente do Sindasp, George Alberto Takahashi, diz que as deficiências da hidrovia são conhecidas pelas autoridades estaduais e federais, mas "questões políticas" são um obstáculo.

- Falta mais arrojo aos nossos governos. As iniciativas são muito tímidas, e é preciso mais audácia para eliminarmos os gargalos e para que se defina uma política pública clara para o sistema hidroviário - diz Takahashi, lembrando que o projeto original da Tietê-Paraná previa capacidade de 20 milhões de toneladas/ano em seus 2,4 mil km.

Com a crescente cobrança do setor produtivo, começam movimentos em prol da expansão da malha hidroviária. Além do sucesso dos produtores de soja - que em 2006 economizaram R$780 milhões com transporte no Madeira - as mineradoras já colhem benefícios. É o caso da Cosipar, que usa o Rio Tocantins para transportar minério de ferro e ferro-gusa até o litoral e de lá exportar. Antes de usar a hidrovia, 100% da produção eram levados ao Maranhão por caminhão. A empresa está economizando mesmo fazendo um desvio de 4 km percorrido por caminhões.

- Hoje, mesmo com o desvio, nosso custo é 40% inferior ao dos caminhões. Estamos com o mesmo custo das ferrovias. Com a conclusão da eclusa de Tucuruí, nosso custo recuará mais 30% - afirmou Eduardo Carvalho, diretor da MC Log, subsidiária da Cosipar para atuar na navegação do rio.

Ele afirma que, neste primeiro ano de operação da companhia, devem ser transportadas 350 mil toneladas de produtos. No ano que vem, a expectativa é de um milhão de toneladas, gerando R$30 milhões de faturamento para a MC Log:

- Nossas barcaças já começam a ter demanda no sentido contrário, pois empresários descobriram que o rio é o melhor meio para subir produtos como telhas, tijolos e material de construção em geral até Marabá.

A situação da MC Log, deve melhorar: as duas eclusas do Tucuruí estão em ritmo avançado de obras por fazerem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas não é o que acontece com outras. O próprio governo admite que as demandas crescem e que logo poderão surgir opções para concluir estas obras, como concessões ou as chamadas Parcerias Público-Privadas.

Análise de impacto ambiental melhorou

Outra questão começa a ser resolvida: os impasses ambientais.

- A Justiça nos deu uma recente decisão que permite fazer o licenciamento ambiental de cada obra, e não mais de todo o ecossistema do rio, facilitando bastante algumas obras, como a adequação do rio Paraguai - disse o secretário-executivo dos Transportes.

Michael Becker, coordenador do programa Pantanal Para Sempre, da organização não-governamental WWF, diz que a entidade vê com bons olhos as hidrovias, desde que ocorra análise detalhada em cada caso:

- Para o Rio Paraguai achamos ruim, pelas características do Pantanal. A ferrovia seria a melhor solução.

A disputa ambiental impede avanços. Fontes do governo admitem que foi abandonada a idéia de incluir a construção das eclusas nos editais das novas hidrelétricas do Rio Madeira. O governo tinha pressa nas licitações - as duas usinas precisam estar prontas em 2012 - e o licenciamento ambiental poderia causar atrasos. Mas o Ministério dos Transportes quer rever isso nas próximas licitações.

(*) Enviado Especial