Título: Quem está reclamando chora de barriga cheia
Autor: Barbosa, Flávia e Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 09/09/2007, Economia, p. 32

Ministro da Fazenda condena chiadeira sobre os juros, diz que BC foi sensato e empresários estão mais felizes.

BRASÍLIA. Era de se esperar um ministro da Fazenda irritado ou, pelo menos, contrariado, ainda mais sendo Guido Mantega. Mas ele estava satisfeito com a decisão do BC de diminuir o ritmo de queda dos juros de 0,5 ponto percentual para 0,25. No dia seguinte à decisão do Copom, Mantega era só elogios e louvava a "sensatez e eficiência" do BC. E foi mais longe: "Quem está reclamando chora de barriga cheia porque estamos crescendo", disse, para emendar: "Os empresários estão mais felizes, mesmo que digam que estão com tributação elevada". Acompanhado de três assessores, Mantega demonstrou estar tão confortável com a economia que chegou a brincar com a crise recente que abalou os mercados mundiais. Pena, disse, que não houve movimento de venda de papéis brasileiros. "A gente ia comprar barato e revender mais caro".

Ficou alguma lição da crise recente nos mercados mundiais?

GUIDO MANTEGA: Não acredito que a turbulência tenha passado. Há um processo ainda longo de deglutição de ativos não muito sólidos no mercado internacional. Você não sabe exatamente a magnitude do buraco e que ativos não são bons. Ainda teremos episódios da turbulência. O fato é que o Brasil tem se comportado muito bem face a ela.

O impacto da crise na economia ainda é incerto, e a conta do Brasil ainda vai chegar?

MANTEGA: É incerto e está para chegar. E, para o Brasil, seria uma repercussão mínima, porque estamos muito bem posicionados perante a crise. Não temos ativos contaminados e nosso mercado é saudável. Não houve qualquer tentativa de venda de ativos brasileiros. Passamos por essa turbulência com nota dez. Mesmo que haja um desaquecimento da economia internacional, será compensada pelo mercado interno. Temos que esperar a reunião de setembro do BC americano. Caso os juros caiam, a probabilidade de uma definição mais rápida da crise estará dada.

Alguns indicadores dão sinais de piora. A inflação subiu, o saldo comercial recuou com a alta das importações, pressões de gastos públicos, o BC reduziu o ritmo de queda dos juros...

MANTEGA: Até agora não houve reflexo da turbulência no saldo comercial. Você está vendo é a repercussão do aumento da demanda agregada no Brasil. O mercado de massa leva ao crescimento do consumo e, em parte, ele é suprido pelas importações. O Brasil tem essa válvula e pode regular a oferta a partir da importação. Alguns preços subiram de fato, como carne, leite e derivados. Estão na entressafra. São commodities negociadas em âmbito internacional e não somos nós que regulamos o preço aqui. Dos três conjuntos que constituem os preços brasileiros, os alimentos e os serviços subiram, mas os administrados - energia elétrica e tudo mais - caíram. O resultado será uma pequena elevação dos preços, mas estamos abaixo de 4%. Temos uma meta de 4,5% e estamos bem abaixo.

Para o senhor, a alta da inflação é passageira?

MANTEGA: O consumo cresce a uma média de 13% ao ano. É um índice chinês. Não estamos acostumados com isso no Brasil. Certamente só ocorreu no milagre brasileiro, só que naquela época a inflação subia. Os preços dos produtos industrializados não estão subindo. Por causa da importação, os empresários não querem aumentar a margem. Estão ganhando na quantidade. É uma atitude boa do brasileiro. Finalmente conseguimos expurgar aquela mentalidade inflacionária, em que um concorria com o outro para ver quem aumentava mais o preço. Com o consumo crescendo 13%, mais do que os 5% da economia, alguma alteração de preços tem de ser esperada. O importante é que ela seja moderada. Ninguém está preocupado que ela vá transbordar. Estamos atentos e vigilantes.

Mas a variação do IGP e do IPCA não foi moderada. Acendeu a luz amarela?

MANTEGA: Não é o caso de se descabelar por termos um ou dois meses com algumas elevações pontuais de preços. É normal que numa economia complexa como a brasileira haja flutuação de preço. A subida do tomate, desde que ninguém pise no tomate, não tem problema. Se ele subiu, o cidadão vai colocar na salada pepino ou chuchu.

Se não há pressão inflacionária preocupante, o movimento do BC de reduzir o ritmo da queda dos juros foi equivocado?

MANTEGA: Isso é ser muito rigoroso com o BC. O importante é que são dois anos consecutivos em que o Copom está baixando a taxa de juros. Esse é um fator altamente positivo. Os conservadores achavam que o BC não tinha que baixar os juros. A meu ver o BC foi extremamente sensato e eficiente. Baixou 0,25 ponto, mesmo porque o nível de atividade já está bem aquecido. Ele sinalizou o seguinte: ainda há espaço para flexibilizar a política monetária e garantir um crescimento vigoroso, porém estamos vigilantes. Estamos colhendo agora os juros de seis meses atrás. E ainda temos seis meses de redução de juros a serem contabilizados para estimular a demanda agregada. O BC olha o momento presente e para frente para assegurar que a inflação esteja controlada não só em 2007, mas em 2008 e 2009.

Empresários dizem que a decisão do BC vai conter o ímpeto dos investimentos.

MANTEGA: O que mede a eficácia da taxa de juros é o resultado econômico. Você não mede o remédio pela cor e pelo tamanho, mas pelo resultado que ele proporciona. Hoje, quero saber qual é o empresário que está reclamando do nível da atividade. Com exceção dos três setores que sofrem concorrência forte do exterior (têxtil, de calçados e de fumo), os demais estão confiando na economia brasileira. Quem está reclamando chora de barriga cheia porque essa taxa de juros viabiliza o crescimento econômico robusto. Os empresários estão mais felizes, mesmo que digam que estão com tributação elevada.

A avaliação de analistas é que o ciclo de queda dos juros está se encerrando...

MANTEGA: A avaliação do mercado é no mínimo precipitada. Nem o Copom sabe.

Qual sua previsão para o crescimento da economia?

MANTEGA: Minha previsão é crescer 5% em 2007 e, para o ano que vem, entre 4,5% e 5%. Prefiro ser modesto e depois apurar um resultado melhor. Eu mesmo errei muitas previsões no passado. Todo mundo erra. Também não quero que dê muito acima de 5%.

O senhor teme uma bolha?

MANTEGA: A economia vai se ajustando a uma taxa de crescimento maior. Não queremos mais vôo de galinha, de urubu, de avestruz, que dá uma alavancada e tem que interromper. É melhor crescer 5% nos próximos anos. É um crescimento equilibrado. Se for demais pode ter desequilíbrio.

Há muita reclamação sobre a carga tributária. Há planos de reduzi-la?

MANTEGA: A carga tributária não está atrapalhando o crescimento, se não ele não aconteceria. O crescimento está ajudando a carga tributária. Nos anos 80, a carga era muito menor do que é hoje, mas a economia andava em marcha lenta. A relação não é direta. É um mito. Ninguém pode dizer em sã consciência que a carga está impedindo o crescimento. Poderá dizer que será melhor se reduzirmos os tributos. A carga das empresas está diminuindo, com raras exceções. Deixamos de cobrar R$5 bilhões de INSS para três milhões de empresas que entraram no Simples Nacional. Fizemos um monte de reduções tributárias.

Mas, apesar de todas as reduções, a arrecadação continua crescendo. Isso não abre espaço para mais desonerações?

MANTEGA: Ela sobe porque há uma formalização da sociedade. Quem não pagava agora está pagando. Estamos sendo mais eficientes na arrecadação, combatendo a sonegação. Significa que o empresário está tendo mais lucro, faturando mais. O que mais está crescendo na arrecadação é o INSS, o que significa mais trabalhadores formais. Isso é salutar. Mas vamos, sempre que possível, reduzir a carga tributária, porque temos de concorrer com países cuja carga é menor que a nossa. Não podemos ser irresponsáveis. Só porque aumentou vou reduzir drasticamente e dar isenção fiscal. O que acontecerá é o desequilíbrio orçamentário, as contas públicas vão para o vinagre. O governo também tem de fazer coisas que não fazia. Aumentar um pouco o investimento e fazer programas sociais, fundamentais para combater a pobreza e a desigualdade.

O senhor disse que o empresário compreendeu que pode ganhar na quantidade e não no preço. O raciocínio não vale para a cobrança de impostos?

MANTEGA: Estamos praticando isso. Acabamos de criar uma Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. Na cesta básica tudo foi desonerado. Reduzimos os impostos sobre computadores, e o Brasil tornou-se o quarto maior produtor. Barateamos a construção civil. Fizemos a desoneração de todos os insumos de hotelaria. Praticamente todo mês fazemos uma desoneração. Mas não dá para perder a CPMF, porque são R$36 bilhões. Temos gastos sociais importantes. Só Saúde são R$44 bilhões. Todo mundo quer aumentar os recursos da educação. Mas não dá para cortar tributo e aumentar esses recursos. É incongruente. Precisamos fazer o superávit primário. É sagrado e é o que nos dá estabilidade. E temos despesas obrigatórias. Se cortamos ou reduzirmos a CPMF, teremos que eliminar, por exemplo, o Bolsa Família.

Isso é terrorismo fiscal...

MANTEGA: Não é terrorismo. Precisamos, neste momento, da CPMF. É um tributo bom porque pune o sonegador - o que pode ser por qualquer alíquota - e o faz pagar o que deve. As pessoas geralmente nem sabem quanto pagam pela CPMF, porque ela é insignificante e não pesa no bolso. Estão fazendo um cavalo de batalha. Eu não sei quanto pago de CPMF. Não pesa no meu bolso. Mas, para o governo, é importante. Amanhã poderemos até reduzir a CPMF, mas não é o momento.

A reforma tributária empacou?

MANTEGA: Não empacou nada. Não sejamos melodramáticos. Está andando muito bem. O que se está discutindo é o fim da guerra fiscal. Vamos apresentar ao Congresso o projeto de emenda constitucional até o fim de setembro.

"Não é o caso de se descabelar por termos um ou dois meses com algumas elevações pontuais de preços. A subida do tomate, desde que ninguém pise no tomate, não tem problema."