Título: Mundo sobre rodas chinesas
Autor: Rodrigues, Luciana e Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 10/09/2007, Economia, p. 14

Montadoras usam China como plataforma de exportação de carros, inclusive para o Brasil.

Ímã para atração de investimentos do mundo inteiro, a indústria automobilística chinesa já ensaia seus passos para se tornar uma força também no mercado global. Se num primeiro momento as multinacionais foram seduzidas por um consumo interno gigantesco - a frota chinesa saiu de 9,4 milhões em 1999 para 230 milhões hoje -, agora essas empresas já começam a usar o país também como base de exportação, inclusive para o Brasil. Além disso, marcas criadas - ou copiadas - na China ganham força no exterior. O país caminha para se tornar um ator de peso na indústria automobilística mundial, que movimenta US$2,5 trilhões por ano e emprega 50 milhões de pessoas em todo o mundo.

A China, hoje, já é o segundo maior mercado global para venda de automóveis. E, no ano passado, ultrapassou a Alemanha como terceiro maior produtor de veículos.

Este ano, até julho, 477 automóveis chineses foram importados pelo Brasil. Os números, irrisórios para o mercado brasileiro, mostram as primeiras investidas das montadoras chinesas. A importadora Effa Motors já anunciou que levará às lojas este mês o compacto chinês M-100, por apenas R$22.980 (um Uno Mille básico fabricado no Brasil sai por R$22.440).

No mês passado, a Fiat anunciou uma joint venture com a chinesa Nanjing Auto para exportar Palio Fire e Siena para o Brasil até 2008, uma vez que as fábricas brasileiras da montadora italiana estão operando no limite. E marcas chinesas são concorrentes cada vez mais fortes em mercados tradicionais para os produtos brasileiros, como América Latina e África.

A Índia também já marca presença no Brasil: picapes e utilitários da marca Mahindra começam a ser fabricados este ano em Manaus, numa parceria com a brasileira Bramont.

Meta de US$120 bi em dez anos

Analistas acreditam que houve um excesso de investimentos pelas multinacionais em fábricas na China. Mesmo com o mercado local crescendo à impressionante taxa de 20% ao ano, a opção, em muitos casos, foi direcionar parte da produção para a exportação:

- Em muitos setores na China há excesso de capacidade. Todo mundo queria estar na China e já começava com projetos grandes. É por isso que, agora, estão exportando até carros - disse Hellmut Schütte, especialista em estratégia de negócios na Ásia.

Outros setores industriais sempre viram na China uma plataforma de exportação. A diferença é que, para a indústria automobilística, o país era procurado, até então, apenas por seu mercado doméstico. Mas, em 2006, o ministro do Comércio da China, Bo Xilai, criou oito zonas especiais de produção e exportação de veículos. E revelou a ambição chinesa: em dez anos, exportar US$120 bilhões.

- A China tem condições de se tornar uma plataforma para a venda de carros de todas as marcas para todo o mundo - afirmou o vice-primeiro-ministro, Zeng Peiyan.

Isso inclui as chinesas Chery e Geely, que já estão entre as 30 maiores montadoras do planeta. Seu avanço veio de carona na abertura comercial do país. Para atuar na China, as multinacionais eram obrigadas a fazer joint ventures de controle estatal, com cláusulas de transferência de tecnologia. Levou pouco tempo até que as montadoras chinesas aprendessem - ou copiassem - os métodos de produção e design dos parceiros ocidentais.

Agora essas marcas começam a ganhar o mundo. A estatal chinesa Chery inaugurou este ano uma fábrica no Uruguai em parceria com a argentina Macri. Na China, seu modelo QQ - alvo de uma disputa judicial por plágio com a GM, por sua semelhança com o Chevrolet Spark - é um sucesso de vendas, ao custo de produção de apenas US$4.500 (cerca de R$8.700). Analistas acreditam que, se chegar ao Brasil, o QQ não sairá por menos de R$18 mil, já que o custo de produção no Uruguai é bem maior.

No Brasil, preços não são competitivos

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, diz que o primeiro impacto da concorrência chinesa foi sentido em mercados para os quais o Brasil exporta, já que as vendas da China para cá ainda são pequenas.

- Em seis anos, a China saiu de uma produção de 2,2 milhões de veículos para 7,3 milhões. Aumentou em 5 milhões, o equivalente ao que produz a França ou a Coréia do Sul. Se houver um desaquecimento do mercado interno chinês, eles vão exportar essa capacidade - disse Schneider, acrescentando que as vendas chinesas não sofrem a carga tributária incidente sobre os produtos brasileiros.

O consultor Paulo Roberto Garbossa, da ADK Automotive, explica que ainda levará tempo para que marcas chinesas ou indianas tenham presença significativa no Brasil. Isso exige investimento em rede de distribuição, assistência técnica e reposição de peças, o que afeta o principal atrativo dessas empresas: o baixo custo. Ele cita como exemplo a picape e o furgão da Chana, que chegaram ao Brasil por R$30 mil e R$34 mil, respectivamente, preços não muito competitivos. Mas, se o preço final ainda não compensa, o custo de produção em Índia e China é imbatível.

- O carro popular mais barato produzido na Europa custa US$6 mil, na Romênia. Na China, consegue-se US$4.500. E já há veículos de 600 cilindradas produzidos por apenas US$2.300 na Índia - disse Schütte.

Para quem acha que a baixa qualidade desses automóveis pode brecar seu avanço global, Schütte lembra que a sul-coreana Hyundai também começou a exportar com preços baixos e queixas sobre a qualidade. Hoje, é a décima maior montadora do mundo. Em seu relatório anual sobre a indústria automobilística, a consultoria PricewaterhouseCoopers afirma que China e Índia caminham rapidamente para ser players globais. E ressalta que a China vem aprimorando a qualidade de seus produtos.

(*) Correspondente