Título: Trair, coçar e calcular
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 11/09/2007, O Globo, p. 2

Nas contas de ontem no Senado, Renan Calheiros ainda tinha votos para ser absolvido. Poucos, porém suficientes. Mas, nestas horais finais, a volatilidade é grande. As traições, o volume delas e de que lado ocorrerão é que vão determinar o resultado. Ainda que, com voto secreto, como brincava Tancredo Neves, a "vontade de trair" aumente. Mas também as traições acontecem por razões práticas e interesses concretos. As que mais pesavam ontem eram a preocupação com o enfraquecimento do Senado após uma absolvição que afronte a opinião pública; e as ambições pela presidência, que alguns dos defensores da cassação já não disfarçam.

Um aumento da preocupação com as conseqüências da absolvição para o Senado induz à traição os que prometeram votar a favor de Renan. Não existem parlamentares fortes quando a Casa está fraca. Muitos senadores já vêm sentindo a cobrança nos estados, e estão vendo despontar potenciais adversários para a eleição de 2010, quando dois terços das cadeiras serão renovadas. Um exemplo desse tipo de contaminação já ocorreu no Espírito Santo. No papel de relator no Conselho de Ética, que juntamente com Marisa Serrano pediu a cassação de Renan, o senador Renato Casagrande viveu momentos de grande projeção e sua atuação foi bastante aprovada pelos capixabas. E isso se refletiu imediatamente na conduta do senador Magno Malta, que era um aliado declarado de Renan. Agora, ele já estaria disposto a votar pela cassação, para não perder mais pontos no estado. Mas, como o voto é secreto, pode também alardear uma mudança e na prática manter o voto.

Seria simples se o caso já não tivesse criado na população a convicção de que Renan é culpado, deixando com isso o Senado exposto às iras de uma opinião pública que lavou a alma com o julgamento recente do STF. Se tivesse renunciado desde o início ao cargo de presidente, ele teria contribuído para a redução do alarido e facilitado a seus pares a tarefa de absolvê-lo. Agora, os senadores estão sendo bombardeados de todos os modos para cassá-lo e temem que a absolvição não ponha fim à sangria do Senado. A oposição já avisou que, nesse caso, dará seguimento às outras ações apresentadas contra ele no Conselho de Ética. Há quem diga que a absolvição deixaria o Senado mal lá fora, mas que internamente não haveria mais clima para a conflagração continuada. Quanto mais votos de frente ele tivesse, mais força teria para recuperar-se.

O governo não vê desdobramentos bons para o caso. Havendo a cassação, teme os efeitos sobre a coalizão e uma disputa sucessória que aumente suas dificuldades. Havendo absolvição, receia a sangria continuada, tendo pela frente a votação da CPMF. Na dúvida, optou por não interferir no processo e na disputa por votos nestas horas finais. Não se vê a oposição denunciar qualquer coisa nesse sentido, e isso é positivo. O problema é do Senado, e dos senadores é esperada a solução amanhã.

Já a antecipação das articulações sucessórias é mais que uma deselegância política brutal. Se houver a cassação, já virá diminuída pela revelação de que muitos votaram pensando no que ganhariam com isso.