Título: Faltam gestores especializados
Autor: Menezes, Lauro Ney
Fonte: O Globo, 11/09/2007, Opinião, p. 7

O "grande tema" do cenário aeronáutico do momento atual se reporta à postura e à posição a serem tomadas pelos governos (e a Anac) naquilo que se refere à administração da aviação civil brasileira, vis-à-vis à reforma do Estado que o governo federal patrocina e pretende agilizar.

"A gestão dos negócios de aviação civil é assunto extremamente delicado e sensível, e pouco à prova de choques", e a "manutenção dos seus elementos constitutivos, conservando sua unicidade, demanda tecnificação, cuja desenvoltura dificilmente será assimilada a curto prazo". Assim concluíram os analistas especializados, que, em se posicionando dessa forma, criam uma única vertente para o tratamento da matéria: gestores especializados.

Essa atividade, já com rationale própria, literal, alarmante e repetidamente "explode", crescendo na faixa de 6% a 7%/ano nos últimos 20 anos e - prevêem os estudiosos - assim continuará. Hoje, transporta mais de 2 bilhões de passageiros/ano em todo o mundo.

Fácil fica também demonstrar que - em sendo uma atividade completamente globalizada - mandatoriamente exige expertise para manobrar suas tecnicalidades e características intrínsecas, seus meios aéreos e infra-estrutura, sua extremamente delicada gestão econômica, sua fragilidade perante a mutabilidade das leis de mercado etc. Essa indústria de transporte aéreo impõe a existência de perfis para legisladores e gestores bastante peculiares e jamais "companheiros de partido"... Mercê dessa complexidade toda, fica também fácil demonstrar que o aprendizado desse métier demanda tempo para absorção e maturação dos elementos basilares da atividade. Em suma, o gestor da indústria de transporte aéreo - antes de mais nada - aplica regulamentos e normativas internacionais, macrogestão, engenharia aeronáutica e de operações, engenharia econômica, mercadologia específica, engenharia de logística e manutenção, certificação e homologação de material aéreo, segurança operacional e de infra-estrutura etc. Tudo isso impondo, portanto, uma característica de atuação gestionária diretamente dependente da preparação para o exercício do management, do tempo de convívio com a criticidade na aplicação de seus parâmetros e da reciclagem constante de todos os conhecimentos envolvidos. Em síntese, os administradores da indústria de transporte aéreo já representam uma categoria econômica distinta, cuja eficácia no exercício de suas tarefas é função do preparo e do tempo vivido no contexto da indústria. Não surgem, portanto, das "vontades ou do estalar de dedos"... e, muito menos, do "QI (quem indica...)".

Para uma análise mais completa desse cenário, cumpre, ainda, acrescentar aos membros da equação em pauta, a posição das empresas (e, talvez, a do SNEA) que vêm mantendo uma postura de atenção e cautela na análise da matéria e que, até hoje, deixaram ostensivamente se manifestar. Fácil de compreender...

A querela envolve, fundamentalmente, o poder concedente. Ou seja, o governo (e suas agências) e sua visão da administração dos negócios da indústria do transporte aéreo, em face dos interesses do Estado.

Entretanto, agindo à brasileira e pretendendo "não instalar a tranca na porta após sua queda", parece ser oportuno buscar uma forma de participação no processo decisório por parte das empresas e da sociedade-usuária, já que - ao final de tudo - os resultados (principalmente os negativos) terão de ser por elas administrados ou "deglutidos"...

O clima de debate nacional sobre a matéria é de interesse da sociedade e, por si só, estimulante. Em uma visão realista, o que aí está e vem sendo apresentado à apreciação da opinião pública no que se refere à aviação civil é indiscutivelmente falta de acomodação de obrigações nacionais e internacionais (normativas, acordos, regulamentos), assim como uma sintonização dos interesses públicos com os privados. Acomodação e sintonia de governo-sociedade-empresas que foram obtidas com extrema maestria pela Aeronáutica e que cujos efeitos já duram mais de sessenta anos. Por conseguinte, gerou aceites tácitos e cultura com participação de todas as partes: governo/empresas/sociedade. Portanto, em termos de interesse brasileiro, é fundamental o repensar antes de permitir um (mecânico e impensado) agir.

É sabido que todas as empresas aéreas temiam que essa "passagem de bastão" da área militar para a civil viesse a lhes custar mais caro, política e financeiramente. O que hoje pode ser facilmente demonstrável. E é, principalmente sob essa rationale, que parece ser imperioso recomendar que os artífices do mister aeronáutico (gestores e empresários) busquem uma via de comunicação hábil e efetiva, capaz de fazer permear, no tecido de processo decisório governamental, sua participação e opinião contributivas. Antes que venha a lhes ser imposto administrar o visível caos que aí está...

É fundamental, ainda, não esquecer que se as decisões durante esse mais de meio século foram, de alguma forma, muito mais a orquestração de interesses e responsabilidades, mais uma razão para que, qualquer mudança seja feita com uma análise retrospectiva e que as decisões e ações corretivas prospectadas... não sejam inopinadas. Ou emocionais. Ou partidárias... e sim profissionais!

LAURO NEY MENEZES foi presidente da Infraero.