Título: TRF afasta ameaça à liberdade de imprensa
Autor: Souto, Isabella
Fonte: Correio Braziliense, 29/03/2009, Brasil, p. 14

De volta à ditadura

Decisão que obrigava o Estado de Minas a publicar matéria de cunho difamatório contra o próprio jornal, sob ameaça do uso de força policial e multa, é suspensa por desembargador

Liminar do desembargador Jirair Aram Meguerian assegura direito à informação Belo Horizonte ¿ Liminar concedida ontem à tarde pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, desembargador Jirair Aram Meguerian, impediu um verdadeiro atentado à liberdade de imprensa. O magistrado aceitou os argumentos do Estado de Minas, ao julgar mandado de segurança impetrado contra decisão do juiz da 4ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais, Ronaldo Santos de Oliveira, que exorbitou em sentença favorável a direito de resposta à UFMG e cometeu ato de coerção ao direito constitucional de defesa do jornal.

A UFMG optou pelo caminho judicial depois de deixar sem resposta a série de matérias publicadas pelo Estado de Minas, mostrando irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União no relacionamento da universidade com a Fundação de Desenvolvimento de Pesquisa (Fundep). O jornal também revelou a existência de favorecimentos, inclusive na aprovação de professores em concursos e na contratação de pessoal com relação de parentesco com dirigentes da instituição.

Em seu despacho, o desembargador Jirair Meguerian argumenta que a decisão do juiz de primeira instância que permitiu a publicação do direito de resposta solicitado pela UFMG seria teratológica (relativa ao estudo das monstruosidades) na medida em que obrigava o Estado de Minas a publicar matéria de cunho difamatório ao próprio jornal. O recurso foi apresentado na manhã de ontem ao TRF em Brasília, sob o argumento que a medida solicitada pela UFMG ofende o direito líquido e certo de ¿livre manifestação do pensamento¿, previsto no artigo 5º, IV, da Constituição Federal.

De fato, trâmites incondizentes com a devida conduta judicial ocorreram no processo movido pela UFMG contra o jornal. A primeira sentença foi dada na noite da sexta-feira, dia 20. A intimação ao jornal só ocorreu depois de encerrado o expediente na Justiça Federal, o que impediria recurso no mesmo dia. Os embargos declaratórios foram feitos no sábado, com pedido de suspensão da sentença, que previa multa diária de R$ 1 mil ao Estado de Minas. O juiz Ronaldo Santos de Oliveira teve, portanto, a semana inteira para analisar o recurso.

Só na noite de sexta-feira, como ocorrera na semana anterior, o jornal voltou a ser notificado. Mais uma vez, com comportamento truculento, estranho à boa conduta judicial. Um oficial de Justiça foi à sede do Estado de Minas avisar que haveria, ainda naquela noite, uma sentença sobre os embargos declaratórios, que foram todos rejeitados. Só mais tarde, outro oficial chegou com a decisão, que antes ainda não havia sido anexada ao processo.

O magistrado foi além, com práticas que remontam aos anos de chumbo da ditadura militar. Ele elevou de R$ 1 mil para R$ 100 mil a multa diária e ainda determinou que a Polícia Federal fosse acionada para garantir o cumprimento da sentença e a publicação do direito de resposta, com agressões de toda ordem ao Estado de Minas.

Formado na Universidade Federal de Minas Gerais, o juiz Ronaldo Santos de Oliveira, embora tenha tomado uma decisão desproporcional ao dano e sem entrar no mérito dos argumentos apresentados pela defesa, não quis ouvir a argumentação dos advogados do jornal.

Ao conceder a liminar, o desembargador Jirair Meguerian cita o argumento usado pelos advogados do jornal. ¿Assevera o impetrante que foram publicadas no aludido órgão de imprensa notícias sobre supostas irregularidades em torno da administração da UFMG, reportagens essas, segundo afirma, veiculadas de maneira responsável, após checagem sobre a seriedade da fonte, atendo-se em divulgar tão-somente o que teria sido apurado ¿ no caso o Tribunal de Contas da União ¿ e sempre assegurando que as pessoas citadas fossem previamente ouvidas.¿

De acordo com o advogado do Estado de Minas, Rodrigo Otávio Pacheco, a defesa apresentada pelo jornal mostrou que houve um excesso na decisão do juiz Ronaldo Santos de Oliveira, especialmente em relação à fixação de uma multa considerada exagerada para os padrões legais ¿ R$ 100 mil diários ¿ e a determinação de força policial para garantir o cumprimento da sentença. ¿Entendemos que toda decisão deve ser respeitada e cumprida, mas é direito da parte que se sente lesada recorrer. Isso sim, faz parte do estado democrático de direito¿, argumentou.