Título: Renan salvo, Senado ferido
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 13/09/2007, O Globo, p. 2

Renan Calheiros resistiu a cem dias de exposição negativa, refugou pressões para renunciar à presidência do Senado, foi condenado pelo Conselho de Ética e acabou absolvido ontem por 40 votos, que, somados a seis abstenções, dão-lhe 46. Cinco a mais que a maioria absoluta e apenas cinco a menos que os 51 com que se reelegeu em fevereiro. Uma vitória e tanto para Renan. Já o Senado sai do episódio ferido e lanhado, em descompasso com o espírito do tempo, mostrando que até seu regimento, ao prever sessão secreta, é anacrônico.

Nesse sentido, o Senado já começou o dia perdendo, com a liminar concedida pelo STF para que deputados tivessem acesso à sessão. Quando o STF interfere numa questão regimental de outro poder, é sinal de que este se enfraqueceu ao perder a razão: no caso, a bizarra sobrevivência da sessão secreta no regimento, contra toda a exigência contemporânea de transparência, seguida da vedação de acesso dos deputados, legitimamente interessados, como congressistas, em decisão envolvendo o presidente do Congresso.

Falava-se ontem num acordo pelo qual o PT teria salvo Renan, com votos a favor e abstenções. Em troca, ele se licenciaria por longo prazo a pretexto de enfrentar os outros processos, deixando o petista Tião Viana na presidência. Renan continua negando a intenção de renunciar, mas pode vir a fazer isso. Já os números não sustentam sozinhos essa conclusão. Sugerem que houve também gente da oposição votando pela absolvição, convencidos por Renan em seus incansáveis contatos individuais, movidos pelo espírito de corpo ou qualquer razão, embora o interesse do governo em ter na presidência o velho aliado - ainda mais agora, como leão ferido - seja indiscutível. Entre votos a favor e abstenções, Renan contou com 46. O bloco governista liderado pela petista Ideli Salvatti (PT-PSB-PP-PTB) tem 27 senadores, mas pelo menos um deles, o relator Casagrande, votou pela cassação. Então seriam 26. Que somados ao 19 do PMDB, dariam 45. Mas é sabido que pelo menos quatro peemedebistas votaram, declaradamente, pela cassação (Jarbas Vasconcelos, Pedro Simon, Mão Santa e Garibaldi Alves). Então, bloco e PMDB somariam apenas 41 votos, e pelo menos cinco só podem ter saído da oposição.

Mas essas são contas que, pelo voto secreto, nunca serão provadas. Certo é que 46 senadores não quiseram cassar Renan, por razões que só eles conhecem, desconhecendo a cobrança externa. Entre os discursos de defesa, teria sido muito eficaz o do senador Francisco Dornelles, sustentando, com sua autoridade de tributarista, que os autos indicavam, no máximo, um crime tributário, não se tendo provado que a empreiteira Mendes Júnior pagou despesas do acusado. Crime tributário, disse ele, deve ser investigado pela Receita Federal antes de um julgamento político. "E se, depois de uma cassação, descobre-se que não houve tal crime?", perguntou ele. Bons argumentos para quem os procurava, evitando discutir onde começam as fronteiras do decoro.

Agora, com o mandato e o cargo salvos, o desafio de Renan é pacificar internamente a Casa e, em algum momento, buscar a reconciliação com a sociedade, com uma opinião pública frustrada, que anda ávida por sinais de mudanças na política. Foi o que ele ensaiou, com a nota divulgada no início da noite, reconhecendo que o processo resultou em perdas para a instituição e pregando a pacificação. É cedo para saber se ele será capaz disso, se a demonstração de força garante sua integral sobrevivência ou vai torná-lo apenas sombra do que foi, se conseguirá barrar a ofensiva que a oposição promete manter: a crise continua, diziam seus líderes, revoltados com o resultado. "Não vamos nos resignar, ele terá de responder aos outros três processos", dizia Agripino Maia (DEM). É cedo para saber se haverá clima para isso. "Não sei como esta Casa vai funcionar, pois até as relações pessoais foram completamente esgarçadas", dizia Tasso Jereissati. "Foi o PT que salvou Renan, escondendo-se na abstenção", completava Demóstenes Torres.

Tião Viana nega o acordo, mas admite que "o Senado vai sangrar muito por ter não ter dado a resposta esperada". A líder Ideli fez outro dos mais fortes discursos de defesa de Renan e pelo menos um outro petista, Aloizio Mercadante, admitiu que se absteve. No início da sessão, procurou alguns senadores propondo o adiamento da votação. Se por um lado não havia provas de que a empreiteira pagou as tais despesas, dizia ele, por outro lado há questões ainda não esclarecidas. Todos acharam tarde, e, de fato, houve tempo demais para se pensar nisso antes. Não se sentindo seguro para condenar ou absolver, teria optado pela abstenção. Mercadante era um dos mais criticados pela oposição. Mão Santa, do PMDB, também contou ter trabalhado pelas abstenções: queria Renan fora da presidência, mas achava a cassação uma pena excessiva. Em matéria de especulação, a "rádio corredor" falava também de tucanos e democratas que teriam votado pela absolvição. Espera-se que, desta vez, ninguém ceda à tentação de violar o painel eletrônico, num último desatino contra a imagem da Casa.