Título: Absolvição Acordão Pancadaria
Autor: Vasconcelos, Adriana e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 13/09/2007, O País, p. 3

DIA D NO SENADO

Com ajuda do Planalto e do PT, Renan é salvo por 40 votos a 35 e 6 abstenções e articula licença num dia que teve até troca de socos.

Um acordo patrocinado pelo Palácio do Planalto garantiu ontem a absolvição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), após quatro meses de manobras. Renan escapou da cassação graças a seis abstenções atribuídas em grande parte ao PT, ao fim de quase cinco horas de uma sessão secreta que começou com agressões físicas entre deputados e seguranças, do lado de fora do plenário. No placar final, 40 votos foram favoráveis a Renan e 35 pela condenação. A manobra governista, no entanto, prevê o afastamento de Renan do comando do Senado, ainda que não em definitivo. A expectativa é de que a licença de Renan consiga reduzir a tensão na Casa e permita a retomada das votações de interesse do Executivo, entre elas a prorrogação da CPMF. Por esse acordo, o governo deve assegurar que o vice-presidente do Senado, o petista Tião Viana (AC), fique no comando da Casa pelo menos até o fim do ano. A aposta dos governistas é de que, neste período, Renan também consiga se livrar dos outros três processos de cassação que tramitam no Conselho de Ética da Casa.

- Agora temos de deixar a poeira baixar, esfriar os ânimos. Todos terão de ajudar na reconstrução do Senado. A licença é uma questão pessoal do Renan, mas vamos conversar com ele para que se posicione - adiantou o líder do governo no Senado e um dos principais aliados de Renan, senador Romero Jucá (PMDB-RR).

- Poder sem autoridade não existe. É importante que o senador Renan prove sua inocência, mas depois da absolvição ele terá de se sentar com seus aliados para discutir o que é melhor para a Casa - afirmou o senador Wellington Salgado (PMDB-MG).

- Renan será rápido no gatilho e deverá se licenciar de forma imediata. Essa é a melhor situação. Caso contrário, o embate continuará - reforçou o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE).

Aliado de primeira hora do presidente do Senado, o senador José Sarney (PMDB-AP) quebrou seu habitual silêncio e discrição e mandou um recado inesperado ao colega de partido:

- A votação foi de advertência ao presidente Renan Calheiros. Não puniu, mas advertiu.

"A Casa ainda vai sofrer profundamente"

Tião Viana negou participação em acordos, mas alertou que o resultado do julgamento de ontem não encerra a crise no Senado.

- A Casa ainda vai sofrer profundamente e deve continuar seu calvário dentro de um quadro de grande agonia. A sociedade quer uma resposta - advertiu Tião.

No fim do dia, Renan divulgou uma nota em que afirma que agora é "o momento de refletir sobre as perdas que esse processo político provocou". Considerou que foi o que mais perdeu nos mais de cem dias de crise enfrentada pelo Senado e sinalizou sua disposição de negociar com a Casa um possível afastamento: "A partir da decisão madura e soberana do plenário, já comecei a procurar os líderes e presidentes de partido para prosseguirmos na agenda legislativa que interessa ao país. Não tenham dúvidas, saberei corresponder aos anseios da instituição e aproximá-la cada vez da sociedade brasileira" (leia a íntegra na página 9).

Durante a sessão, isolado num canto do plenário, Renan mal conseguia disfarçar a tensão, que o levou a bater boca em pelo menos dois momentos de seu julgamento. O primeiro com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que classificou de "burra" a estratégia de defesa de Renan e, por fim, com a conterrânea e presidente do PSOL, a ex-senadora Heloisa Helena, que, em nome de seu partido, fez a defesa da cassação.

Só depois de anunciado o resultado final do julgamento é que Renan respirou aliviado e comemorou, de forma contida. Tentou abraçar o maior número possível de senadores e demorou mais no cumprimento daqueles que haviam feito sua defesa em discursos, como o senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

- O Renan gostou porque fiz uma defesa técnica, e não política. Expliquei que só quem tem condições de apurar crime de ordem tributária é a Receita. E se ele fosse inocentado pelo Fisco, como ficaria o Senado? - explicou Dornelles, justificando sua posição.

Mercadante declara que se absteve de votar

Logo após o fim da sessão secreta, a oposição denunciou o acordo e responsabilizou o governo pela absolvição de Renan. O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) chegou a atribuir as seis abstenções do placar aos petistas.

- Fica claro que foi o governo que patrocinou a absolvição do Renan. Isso ficou claro nas abstenções do PT. Foi um grande acordão - atacou Guerra.

Durante a sessão secreta, chamaram a atenção de senadores as conversas intensas num canto do plenário entre o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) e os petistas Aloizio Mercadante (SP) e Ideli Salvatti (SC). De acordo com o relato de vários parlamentares, os três teriam feito um discreto corpo-a-corpo para garantir as abstenções que acabaram absolvendo Renan. Mercadante admitiu que votou pela abstenção, mas negou ter pedido a colegas que o seguissem.

- Eu me abstive sim, mas não é verdade que tenha feito um acordão. Na minha visão, o processo de investigação não tinha sido encerrado, mas agora acho que Renan deveria se licenciar da presidência do Senado - afirmou Mercadante.

Além dos votos do PT, defecções no PSDB e no Democratas contribuíram para que Renan escapasse da cassação. Entre os 17 senadores do DEM, a suspeita é de que pelo menos cinco tenham votado pela absolvição do presidente do Senado.

- O PT votou pela abstenção. A lavada de mão é característica deles. Mas claro que também tivemos traíras do nosso lado - confirmou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

Pela avaliação da cúpula do PSDB, pelo menos três tucanos teriam desobedecido à orientação do partido de votar pela cassação.

- Nós perdemos muitos votos do nosso lado - admitiu o líder tucano Arthur Virgílio (AM).

Antes do início do julgamento, o clima no Senado era de expectativa de lado a lado. Renan passou a madrugada recontando os votos e a oposição apostava na cassação. Os ânimos na Casa, no entanto, acabaram se exaltando antes mesmo da abertura do plenário, que estava lacrado desde a véspera, quando um grupo de deputados - mesmo com uma liminar do Supremo Tribunal Federal que garantia sua participação na sessão secreta - foi barrado.