Título: É um insulto. Foi uma sessão clandestina
Autor: Gois, Chico de e Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 13/09/2007, O País, p. 8

Cientista política e diretor da Transparência Brasil defendem a extinção da Casa.

SÃO PAULO. Dizendo estar enojada com a absolvição de Renan Calheiros, a cientista política Maria Victoria Benevides, ex-presidente da Comissão de Ética Pública, defendeu a extinção do Senado. A posição é defendida por setores do PT, ao qual é filiada, como o presidente do partido, Ricardo Berzoini.

- Minha primeira reação foi de nojo. Depois me senti ofendida quando o senador Almeida Lima (PMDB-CE) disse que a absolvição de Renan é uma vitória do povo. É um insulto, isso sim. Aquilo não foi uma sessão secreta, foi clandestina - afirmou.

Segundo Maria Victoria, a decisão do Senado mostra que não houve evolução ética na política brasileira desde a redemocratização.

- O Senado mostrou que é perfeitamente dispensável. É um clube magnífico. Como cientista política, iniciarei um debate pela extinção do Senado e pregarei o voto nulo para senador em 2010. Apesar de tudo o que passamos neste longo período de democracia, continuamos com uma cultura política calcada no compadrio, coronelismo e clientelismo.

Embora seja filiada ao PT, a cientista política não poupou críticas à atuação do partido no episódio.

- Um horror! Quando vi o Tião Vianna (PT-AC), como presidente em exercício, dizer que não acataria a decisão do STF, fiquei chocada. Não há justificativa - disse Maria Victoria.

O diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, endossou a proposta da cientista política.

- Pessoalmente, sou favorável à extinção do Senado. É uma casa anacrônica, mas o pior não é isso: os senadores agem como se estivessem em Júpiter. A sessão secreta exemplifica isso à perfeição. Eles decidem lá entre eles e mandam uma banana para o povo - disse Abramo.

Diante do comportamento dos senadores na votação de ontem, ele se mostrou pessimista quanto à possibilidade de Renan ser punido nas outras três representações das quais é alvo.

- A gente só pode esperar que os demais processos sejam piores. A votação foi secreta porque os senadores têm vergonha do que estão fazendo, e quem tem vergonha tem algum motivo para isso - disse.

O cientista político Ricardo Antunes, da Unicamp, avalia que Renan pode deixar a presidência do Senado para aliviar a tensão nos demais processos. Para ele, o papel exercido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi fundamental na absolvição do senador.

- Isso mostra a que ponto chegou a dessintonia entre o Senado e a voz das ruas. É a expressão do semibonapartismo palaciano. As tropas do PT e do PMDB, aliadas, deram sua contribuição para achincalhar ainda mais o combalido Parlamento brasileiro - disse Antunes.

Para o cientista político, a decisão respinga em todo o Legislativo.

- A Câmara e o Senado se revezam nos papéis trágico e farsesco. Isso fica ainda mais óbvio em contraste com a decisão do STF (que abriu processo contra 40 mensaleiros). O Congresso hoje é o fórum da corrupção brasileira - afirmou.

O cientista político Leôncio Martins Rodrigues, da USP, também apontou a importância do Planalto na votação do Senado.

- A absolvição desprestigia tanto o Senado quanto as demais instituições democráticas. Além do próprio Renan, quem sai fortalecido é o Lula, já que o absolvido fazia o jogo do Palácio - disse o professor.

Os especialistas ouvidos pelo GLOBO foram unânimes em condenar os seis senadores que se abstiveram.

- É de uma covardia pavorosa - disse Maria Victoria.

Após classificar as abstenções como abjetas, Antunes apontou para o PT:

- Tem petistas aí. Imagine o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) seis anos atrás numa votação contra o então ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, Renan Calheiros. Alguém acha que ele se recusaria a manifestar o voto?

Eleitora do senador Aloizio Mercadante, Maria Victoria Benevides disse estar decepcionada.

- Nunca esperei nada daquela Ideli (Salvatti, PT-SC), mas o Mercadante... Sempre fui sua eleitora, mas, depois dessa, nunca mais votarei nele.