Título: Consumo está longe de padrões desenvolvidos
Autor: Paul, Gustavo e Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 14/09/2007, Economia, p. 27

Crescimento recente de gastos dos brasileiros registrado no PIB ainda reflete demanda reprimida dos mais pobres.

BRASÍLIA. Um dos principais fatores que impulsionaram o crescimento da economia brasileira no segundo trimestre deste ano, o consumo das famílias brasileiras ainda está longe do vigor e da dimensão verificados nos países desenvolvidos. O crescimento dos gastos dos brasileiros com bens e serviços pelo 15º trimestre consecutivo é considerado por analistas econômicos um sinal bastante positivo da economia mas, na prática, atende a uma demanda reprimida há vários anos da população das classes C, D e E. O baixo poder aquisitivo do brasileiro ainda é um obstáculo para o consumo assumir mais força econômica.

O economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Fernando Gaiger explica que a má distribuição de renda no país reflete um consumo segmentado por classes econômicas, impedindo que o consumo de massa se fortaleça:

- O poder de compra do brasileiro está bombando, o que é muito bom, mas isso não significa que chegamos lá. Ainda não temos um consumo que dê ganho de escala para a indústria - disse Gaiger.

O economista-chefe do Instituto Brasileiro para Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira, concorda com essa avaliação.

- A renda per capita dos países desenvolvidos está na faixa de US$30 mil, enquanto nós estamos entre US$5 mil e US$6 mil. Ainda há muito o que crescer - afirmou Pereira.

Nos países desenvolvidos, o nível de renda da população é mais que suficiente para sustentar o desejo de compra da população. Um dos indicadores é o poder aquisitivo per capita. Enquanto nos Estados Unidos um cidadão tem, em média, US$44.260 por ano para gastar, no Brasil ele dispõe, em média, de apenas US$8.800.

- Precisamos crescer muito mais para chegar ao nível dos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, existe um veículo para cada 1,2 habitante. No Brasil, temos 8 habitantes para cada veículo - disse Francisco Pessoa Faria, economista da LCA Consultores.

Juros altos ainda são entrave para expansão do crédito

Um dos instrumentos para vitaminar o consumo é o aumento do crédito, algo que já vem ocorrendo nos últimos anos mas não o suficiente para nos aproximar das principais economias. O volume de crédito no país em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) ainda está em torno de 40%, enquanto na Europa, Japão e Estados Unidos ultrapassa 100%. As taxas de juros cobradas dos consumidores também são um entrave para o aumento do crédito.

Apesar disso, a perspectiva de futuro é promissora, pois a expansão gradual do crédito se soma ao aumento do poder aquisitivo da população e à redução de juros. Para Joaquim Elói Cirne de Toledo, professor da USP e diretor da Nossa Caixa, o Brasil tem uma estrutura econômica parecida com a dos EUA e da Europa, que estimula mais o consumo do que a poupança:

- O consumo das famílias tende a ganhar cada vez mais importância dentro da equação da produção nacional. Há um aumento do salário real dos trabalhadores, mas não foi incentivada, no Brasil, a política da poupança presente em diversos países asiáticos.

O estrategista para América Latina do Banco West LB, Roberto Padovani, também acredita que o poder do consumo no país deverá ganhar proporções maiores no futuro, especialmente no setor de serviços. Ele lembrou, porém, que havia uma demanda reprimida desde 2003, que está sendo atendida pela ampliação do crédito.

- Essa é uma tendência de longo prazo. Voltamos a ter crédito. Estamos voltando para a normalidade e essa volta tem uma transição com taxas absurdamente altas de crescimento. Ainda não dá para dizer se esse crescimento é sustentável nos próximos anos.

Valor das compras em cartão deve crescer 21% este ano

A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) estima que o consumidor brasileiro acumulará compras no valor de R$307,2 bilhões ao longo de 2007 com cartões de crédito, de débito, de loja e de rede. De acordo com a entidade, basta que seja mantido, no segundo semestre, o ritmo de expansão já demonstrado na primeira parte do ano. Nesse caso, o valor das compras crescerá 21% em relação a 2006, enquanto o número de transações ficará 17% acima e o número de cartões em circulação aumentará 13% sobre a base existente no final de 2006.