Título: Ofensiva de batinas
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 14/09/2007, O Mundo, p. 30

Oposição à reforma constitucional dificulta ainda mais relações da Igreja com Chávez.

Em mais um capítulo da disputa entre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e a Igreja Católica de seu país, a Conferência Episcopal Venezuelana (CEV) questionou o projeto de reforma constitucional apresentado por ele, pediu um grande debate nacional sobre o assunto e defendeu a necessidade de transformar a Constituição num tratado de paz e não de guerra. Nunca antes na História da Venezuela, a Igreja havia protagonizado conflitos tão graves e irreversíveis com o presidente.

- Tivemos situações delicadas no passado, mas não tão difíceis como as que vemos hoje. Existiram disputas hierárquicas, bispos que discordavam de determinadas decisões presidenciais, mas hoje o que temos são conflitos sobre conceitos morais, sobre a doutrina da Igreja - explicou ao GLOBO o historiador Germán Carrera, da Universidade Central da Venezuela.

Segundo ele, "a ruptura entre a Igreja e o presidente não tem retorno".

- Chávez chegou a dizer que Jesus Cristo foi o primeiro socialista. Depois disso fica difícil recompor o vínculo com a Igreja - afirmou.

Em 5 de setembro, as autoridades da CEV se reuniram em Caracas para discutir o projeto de reforma constitucional enviado pelo presidente à Assembléia Nacional. "É importante que todos os venezuelanos, de todos os setores, de todas as ideologias, participem do debate e estudem em profundidade as mudanças sugeridas. A Constituição deve ser um tratado de paz e não de guerra", afirmou a CEV em nota. Os bispos venezuelanos pediram "um verdadeiro diálogo nacional sobre um assunto de tanta importância para o futuro do país", ressaltando que "devem ser ouvidas e respeitadas todas as opiniões". Foi designada uma comissão de quatro bispos para analisar cada detalhe da proposta e elaborar um relatório que será apresentado mês que vem.

Igreja mantém confiança do povo

Em julho, o presidente venezuelano, que acusa a Igreja de cumplicidade no golpe de Estado de abril de 2002, questionou a posição da CEV, que antes mesmo da entrega do projeto à Assembléia Nacional criticou alguns aspectos da reforma chavista, entre eles a reeleição indefinida.

- Até quando vão continuar, monsenhores? Não percebem que estão provocando um dano à Igreja Católica? Li na imprensa que estão preocupados porque a Constituição está sendo reformada em segredo... Que coisa tão absurda! - declarou Chávez.

Em seu discurso de posse de janeiro, ele atacou o vice-presidente da CEV, monsenhor Roberto Lückert.

- Monsenhor Lückert vai me esperar no inferno, ele não vai para o céu, vai para o inferno - alfinetou o presidente, que no mesmo discurso reiterou uma frase que provocou forte polêmica no país: - Jesus Cristo foi um dos grandes socialistas da História.

A resposta da Igreja foi dada pelo arcebispo de Caracas, cardeal Jorge Urosa: "Jesus Cristo não foi político. Não podemos dizer que Jesus Cristo aprove o sistema socialista nem o neoliberal capitalista, o monárquico ou o republicano", disse o cardeal Urosa, em entrevista ao jornal "El Universal".

A crise entre Chávez e a Igreja se aprofundou após o golpe de Estado de 2002, que o afastou do poder por 48 horas. Desde então, ele acusa a Igreja de ter participado do golpe e exige um pedido de desculpas ao país.

- Nenhum bispo pediu desculpas pelo apoio ao golpe de Estado, nem reconheceu o erro cometido - criticou o presidente, que após a morte do cardeal Ignacio Velasco em agosto chegou a dizer: "Morreu sem pedir desculpas. Ele assinou o decreto golpista".

Apesar dos constantes ataques de Chávez, a Igreja continua conservando uma boa imagem no país. Segundo pesquisa da empresa de consultoria Hinterlaces, realizada em agosto, 76% dos venezuelanos aprovam o papel das autoridades eclesiásticas.

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