Título: Ressaca e disparates
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 15/09/2007, O Globo, p. 2

É muito improvável que Renan Calheiros, depois do descanso de final de semana, aceite os conselhos de aliados para se licenciar. Seria contra toda a lógica de seu comportamento até aqui. Nem é provável que o presidente Lula, no encontro que terão na terça-feira, faça pedido ou proposta nesse sentido. Em um rápida conversa telefônica com um outro aliado, Lula deu a entender que não acha essa a melhor estratégia para o próprio Renan nem para o governo e seus interesses no Senado. E, se assim for, espere o governo que a oposição ponha em prática a prometida obstrução.

É legítima a reação da oposição, ainda que ela expresse um desafio à vontade da maioria, um pressuposto da democracia. A maioria erra e acerta, agrada e desagrada. Foi a maioria que derrotou a emenda das diretas-já, em 1984, apesar das multidões que foram às ruas. A obstrução seletiva das votações é legítima, mas a aposta maior da oposição será em um novo julgamento, acelerando a tramitação de outra ação contra a Renan, a que trata de rádios em nome de laranjas. A licença, já disse ele aos amigos, o deixaria desarmado enquanto a oposição preparava o novo round.

Ao longo dessa novela, em que não faltaram ingredientes burlescos, a tropa de choque renanzista foi pródiga em chicanas e histrionices. Mas nestes últimos dias os senadores da oposição capricharam no gênero. E também isso é uma evidência do que o senador Jarbas Vasconcelos chama de desestruturação e falta de rumo da oposição. Um desses disparates foi dito por ninguém menos que o refinado e culto Cristóvam Buarque. Contestando um de seus colegas senadores que defendia Renan Calheiros, pediu um aparte para dizer que, "com políticos, na dúvida, deve-se sempre condenar". Se esse preceito de Cristóvam vigorasse, nos dias de hoje poderia não sobrar ninguém. E nem haveria mais interessados em entrar para a vida pública. Um discurso de adversário lançaria a dúvida e a cabeça rolaria.

Muito pior foi o discurso que o senador Gerson Camata fez em protesto contra a absolvição de Renan e, em particular, contra os que se abstiveram. E como, entre os seis, apenas Aloizio Mercadante teve a honestidade de assumir que fez isso (o que foi tido na Casa como grande bobagem), as agressões de Camata acabaram se endereçando mais a ele, ainda que não fosse essa a intenção. O discurso de Camata é inacreditável. Um trecho: "Vimos ontem uma coisa muito estranha, que foi o surgimento do "gay cívico". É o senador que não vota nem sim nem não, abstendo-se de votar. Ele é meio termo, ele está no meio. Quer dizer, além de se esconder na covardia vergonhosa da votação secreta, ele se esconde na abstenção. Ele não está nem para lá nem cá, ele é coluna do meio, é o "gay cívico"".

Depois, culpando o PT pela absolvição e conseqüente desgaste para o Senado (contribuições da oposição à parte), lembrou a moção aprovada no recente congresso do partido a favor da extinção do Senado e do unicameralismo parlamentar. Com a ajuda de seus "gays cívicos", já dera um golpe mortal no Senado: E avançou: "E que o vamos fazer com este imóvel bonito, depois do Senado extinto? Eu tenho uma idéia, que é colocar aqui os 40 ladrões processados no Supremo. E com uma verba: só podem roubar R$100 milhões por ano. Eles ficam aqui brigando, roubando, de modo que não vão roubar na Petrobras, não vão roubar através do Marcos Valério, não vão roubar do BMG... Eles só podem roubar R$100 milhões. E aí o TCU precisa vigiar: quando roubarem R$101 milhões, "Êpa! Passou do limite!""

Camata era candidato à sucessão de Renan e seu adversário local, Renato Casagrande, fez muito sucesso como relator. A intervenção das ambições e das competições nas cassações fala a favor do fim do julgamento dos pares pelos pares, tese que a cada dia ganha mais adeptos.

Lula recebeu ontem o relatório da pesquisa Pnad apontando melhoras da renda, do emprego e de outros indicadores em seu governo. Vai desembarcar faturando.

Cabral: recado à turma, viagem à Itália

O governador Sérgio Cabral disse ontem, em conversa com a coluna, que deixou de se preocupar com a aliança PMDB-DEM ao constatar que o partido já aprovou, lá atrás, apenas a tese de alianças amplas. Alianças com A ou B ainda terão que ser aprovadas mais perto da eleição municipal. Mas mandou um recado aos peemedebistas, que devem saber seu significado:

- Não vou colocar meu governo a serviço da luta partidária.

Dizendo-se adepto da teoria do "governante mascate" do presidente Lula, Cabral embarca amanhã para mais uma viagem em busca de "nova inserção internacional do Estado do Rio de Janeiro". Serão cinco dias na Itália, levando uma comitiva de 40 empresários, tendo à frente o presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira. Afora a visita ao Papa - que político nenhum vai a Roma sem fazer isso - e os encontros com governantes, a começar do primeiro-ministro Romano Prodi, Cabral e sua caravana participam de dois fóruns com empresários e investidores interessados no Rio. Um em Roma, outro em Milão. Os secretários Joaquim Levy e Julio Bueno participam. Haverá ainda contatos isolados com executivos e empresários. Por exemplo, com a francesa Alston e a italiana Ansaldo Breda, fornecedoras de trens-bala como o que se planeja para ligar Rio e São Paulo. E ainda com a Italplan, que a Valec contratou para fazer o projeto. Até março, o BNDES fará a licitação.