Título: Militares vão à Justiça contra promoção de Lamarca
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 15/09/2007, O País, p. 13

Ação pede a suspensão da portaria do Ministério da Justiça e que viúva devolva reparação de R$902,7 mil.

A 14ª Vara Federal no Rio aprecia, desde ontem, ação que põe mais uma vez, frente a frente, os militares e a memória do ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, morto em setembro de 1971. Nos autos, os clubes Naval, Militar e da Aeronáutica pedem a revogação da portaria do Ministério da Justiça que concedeu anistia política e promoção post mortem ao militante. Editada no dia 12 de julho pelo governo federal, a norma torna Lamarca coronel, com soldo de general, e garante à viúva, Maria Pavan Lamarca, reparação econômica de R$ 902,7 mil e direito ao aumento na pensão. O texto da ação pede ainda que o valor seja devolvido à União.

- Essa é a reação de um punhado de revoltados. O Lamarca tem que ser promovido, e a família tem direito à pensão, sim. Foram eles (os militares) que mataram o meu marido - disse a viúva, que, aos 70 anos, espera ainda o pagamento da reparação e das pensões de R$100 mil aos filhos Cláudia e Cesar, previstos na portaria do Ministério da Justiça.

"Não é com ódio que se faz isso", ressalta general

A argumentação dos militares contra a anistia de Lamarca se sustenta em uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que cria exceções ao benefício a "militares expulsos com base em legislação disciplinar ordinária, ainda que em razão de atos praticados por motivação política". Contra a promoção, o advogado Emilio Antonio Souza Aguiar Nina Ribeiro usa o decreto 3998, de 2001: "Será promovido post mortem o oficial que, ao falecer, satisfazia as condições de acesso e integrava a faixa dos oficiais que concorriam à promoção pelos critérios de antigüidade e merecimento". Lamarca desertou em 1969.

Presidente do Clube Militar, o general Gilberto Barbosa de Figueiredo afirma que não há ódio ou ressentimento dos militares em relação a Lamarca:

- Nós nunca concordamos com essa promoção esdrúxula. Ele (Lamarca) nunca foi constrangido a nada. Tudo o que fez foi por vontade própria. Mas não é com ódio que se faz isso. Em um regime democrático, as pessoas não pensam da mesma maneira. Para mim, ele foi uma pessoa que desertou, roubou, matou, torturou e que depois recebeu reconhecimento.

O advogado Nina Ribeiro argumenta que a Comissão de Anistia, que concedeu a promoção, é um órgão consultivo. Não teria, portanto, legitimidade para conceder promoções.

- Essa foi uma portaria descabida, que feriu os brios dos militares e dos cidadãos comuns. Ele (Lamarca) queria instituir uma ditadura comunista, com recursos de Fidel Castro . Essa portaria tem caráter ideológico - afirmou o advogado.

Lamarca foi morto no sertão da Bahia por tropas do Exército, em uma emboscada. Ele servia em Quitaúna, em Osasco, quando desertou. Entrou, então, para a lutar armada e foi comandante da Var-Palmares e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Na ação, os militares o acusam de ter assassinado, "com requintes de tortura e perversidade, o tenente Alberto Mendes Júnior".

Apesar de não ser alvo da ação, a concessão de R$100 mil aos dois filhos de Lamarca também é criticada pelos militares. Maria Pavan e os filhos Cláudia Pavan Lamarca e César Pavan Lamarca passaram dez anos exilados em Cuba. Partiram em 24 de janeiro de 1969, na véspera de Lamarca deixar o Exército.

- Quem vai devolver os anos roubados da vida desses filhos? Isso não tem volta - diz Cecília Coimbra, fundadora do grupo Tortura Nunca Mais.