Título: Desigualdade cai no país, mas avança no Nordeste
Autor: Almeida, Cássia e Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 15/09/2007, Economia, p. 39

RETRATOS DO BRASIL/PNAD-2006: Causa da baixa redução no Brasil é alta generalizada de todas as faixas de rendimento.

Concentração da renda aumentou na região, mesmo considerando programas de transferência como o Bolsa Família.

RIO e RECIFE. A desigualdade no mercado de trabalho brasileiro vem diminuindo desde 1997, mas voltou a cair pouco em 2006, conforme mostrou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada ontem pelo IBGE. O Índice de Gini, medida que indica o quanto é concentrada a renda numa sociedade, baixou de 0,543 para 0,540 (quanto mais próximo de zero, melhor é a distribuição de renda). A explicação para essa pequena baixa está na alta generalizada de todas as faixas de rendimento. Subiram os ganhos dos mais ricos e dos mais pobres. Os últimos, um pouco mais.

Porém, no Nordeste, ao contrário do Brasil, a desigualdade avançou bem. O Índice de Gini da renda do trabalho subiu de 0,557 para 0,565. Até na renda domiciliar, que inclui as transferências de programas como o Bolsa Família, a concentração aumentou: o Gini subiu de 0,534 para 0,539. O mesmo fenômeno foi verificado na região Norte, mas com menos força: de 0,490 para 0,495.

Nem a alta de 12,1% nos rendimentos dos trabalhadores nordestinos, bem acima dos 7,2% da média brasileira, impediu esse movimento. Lá, na região mais pobre do país, a última faixa de rendimento (1% mais ricos) teve um ganho de renda de 19,5%, enquanto entre os 10% mais pobres, a alta se limitou a 9,5%.

- No Nordeste, o problema de qualificação de mão-de-obra é mais crítico. O crescimento do emprego também foi mais forte no Nordeste, batendo na questão da educação. Lá o prêmio para a educação é mais alto. Os salários mais altos que estavam achatados vão voltar a subir, aumentando a desigualdade. Mas é preciso analisar melhor esses números - disse Sonia Rocha, economista do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets).

No município de Ipojuca, esse quadro de concentração de renda é claro. A 57 quilômetros de Recife, com o maior complexo industrial portuário do Nordeste, Ipojuca tem uma economia cinco vezes superior à da capital e oito vezes maior do que a média estadual. Porém, ostenta o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ou seja, segundo o economista Sérgio Buarque, de Recife, "o município com o maior PIB per capita do estado tem renda tão baixa que compromete seu IDH". O problema citado pela economista Sonia Rocha encontra eco na cidade. Os moradores de Ipojuca têm baixo índice de escolaridade e não têm qualificação para trabalhar em indústrias tão sofisticadas como as que estão chegando, entre elas refinaria, pólo têxtil e estaleiro. É o caso de Gerôncio Costa. Ele mora em um barraco de pedaços velhos de madeira à margem da BR-101, e está sem emprego há mais de dois anos. Passou a viver de biscate. Montou uma tendinha na frente do seu barraco, onde vende jenipapo, limão do mato, macaíba, dendê e bananas.

- Não tenho terra. Tudo isso tiro do mato, mas a renda é pouca. Varia entre R$200 e R$300 por mês, dependendo do movimento - conta Costa que mora num barraco sem água ou esgoto.

Aquecimento econômico por trás da desigualdade

Na avaliação de Renato Bauman, economista da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), o índice de Gini teve queda sem precedentes históricos. E, no último ano, caiu com uma economia mais aquecida.

- Houve ajustes no salário mínimo, postos de trabalho de menor nível ajudaram. E três quartos dessa melhora estão associados a empregos formais e ainda a programas assistencialistas como Bolsa Família - disse Bauman, frisando que a desigualdade ainda está num nível alto - Descemos do pódio, mas há muito o que fazer.

Sergei Soares, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ficou decepcionado com a queda pequena, mas disse "que pior seria se tivesse subido":

- O cenário de aquecimento esbarrou na escassez de mão-de-obra qualificada no Nordeste.

Para ele, é preciso aumentar a cobertura da Previdência Social, reajustar os benefícios do Bolsa Família e manter uma política de reajuste do mínimo:

- E, mais importante, investir fortemente na educação.